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Aula 139 - Guerras - A História de Joana D’arc

Ciclo 2 - História: História de Joana D'arc - Atividade: LE - L3 - Cap. 6 - 3. Guerras.

Ciclo 3 - História:  História de Joana D'arc - Atividade: LE - L2 - Cap. 9 - 10. Os Espíritos durante os combates.

Mocidade - História:  História de Joana D'arc - Atividade:  7 - Debate de opiniões contrárias:  A Ucrânia deveria ter desistido da ideia de se associar a OTAN (aliança militar que faz a segurança de países aliados) e concordar com a Rússia para conseguir evitar uma guerra ou deveria persistir na ideia de fazer aliança militar para mostrar que é um país livre e que não deve se submeter à Rússia? (Leia após o debate: O Livro dos Espíritos. Questão 744 e 745. A.K.)

 

Biografia:  Resumo - Joana D'arc.

Dinâmicas: Interrogatórios de Joana D'arc;   Joana D'arc.

Mensagens espíritas: Guerras.

Sugestão de vídeo: - Joana D'arc: A Santa Guerreira - A história completa da maior heroína da França - Foca na história. Obs.: Contém imagens fortes, não recomendado para menores de 12 anos (Dica: pesquise no Youtube)



Leitura da Bíblia: Números - Capítulo 31


31.1 E falou o SENHOR a Moisés, dizendo:


31.2  Vinga os filhos de Israel dos midianitas; depois recolhido serás ao teu povo.


31.3 Falou, pois, Moisés ao povo, dizendo: Armem-se alguns de vós para a guerra, e saiam contra os midianitas, para fazerem a vingança do Senhor contra eles.


31.4 Mil de cada tribo, entre todas as tribos de Israel, enviareis à guerra.


31.5 Assim foram dados, dos milhares de Israel, mil de cada tribo; doze mil armados para a peleja.


31.6 E Moisés os mandou à guerra, mil de cada tribo, e com eles Finéias, filho de Eleazar, o sacerdote, com os vasos do santuário, e com as trombetas do alarido na sua mão.


31.7 E pelejaram contra os midianitas, como o Senhor ordenara a Moisés; e mataram a todos os homens.



1 Samuel - Capítulo 28


28.1  E sucedeu naqueles dias que, juntando os filisteus os seus exércitos à peleja, para fazer guerra contra Israel, disse Aquis a Davi: Sabe de certo que comigo sairás ao arraial, tu e os teus homens.


28.2 Então disse Davi a Aquis: Assim saberás o que fará o teu servo. E disse Aquis a Davi: Por isso te terei por guarda da minha pessoa para sempre.


28.3 E Samuel já estava morto, e todo o Israel o tinha chorado, e o tinha sepultado em Ramá, que era a sua cidade; e Saul tinha desterrado os adivinhos e os encantadores.


28.4 E ajuntaram-se os filisteus, e vieram, e acamparam-se em Suném; e ajuntou Saul a todo o Israel, e se acamparam em Gilboa.


28.5 E, vendo Saul o arraial dos filisteus, temeu, e estremeceu muito o seu coração.


28.6 E perguntou Saul ao Senhor, porém o Senhor não lhe respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas.


28.7 Então disse Saul aos seus criados: Buscai-me uma mulher que tenha o espírito de feiticeira, para que vá a ela, e consulte por ela. E os seus criados lhe disseram: Eis que em En-Dor há uma mulher que tem o espírito de adivinhar.


28.8 E Saul se disfarçou, e vestiu outras roupas, e foi ele com dois homens, e de noite chegaram à mulher; e disse: Peço-te que me adivinhes pelo espírito de feiticeira, e me faças subir a quem eu te disser.


28.9 Então a mulher lhe disse: Eis aqui tu sabes o que Saul fez, como tem destruído da terra os adivinhos e os encantadores; por que, pois, me armas um laço à minha vida, para me fazeres morrer?


28.10 Então Saul lhe jurou pelo Senhor, dizendo: Vive o Senhor, que nenhum mal te sobrevirá por isso.


28.11 A mulher então lhe disse: A quem te farei subir? E disse ele: Faze-me subir a Samuel.


28.12 Vendo, pois, a mulher a Samuel, gritou com alta voz, e falou a Saul, dizendo: Por que me tens enganado? Pois tu mesmo és Saul.


28.13 E o rei lhe disse: Não temas; que é que vês? Então a mulher disse a Saul: Vejo deuses que sobem da terra.


28.14 E lhe disse: Como é a sua figura? E disse ela: Vem subindo um homem ancião, e está envolto numa capa. Entendendo Saul que era Samuel, inclinou-se com o rosto em terra, e se prostrou.


28.15 Samuel disse a Saul: Por que me inquietaste, fazendo-me subir? Então disse Saul: Mui angustiado estou, porque os filisteus guerreiam contra mim, e Deus se tem desviado de mim, e não me responde mais, nem pelo ministério dos profetas, nem por sonhos; por isso te chamei a ti, para que me faças saber o que hei de fazer.


28.16 Então disse Samuel: Por que, pois, me perguntas a mim, visto que o Senhor te tem desamparado, e se tem feito teu inimigo?


28.17 Porque o Senhor tem feito para contigo como pela minha boca te disse, e o Senhor tem rasgado o reino da tua mão, e o tem dado ao teu próximo, a Davi.


28.18 Como tu não deste ouvidos à voz do Senhor, e não executaste o fervor da sua ira contra Amaleque, por isso o Senhor te fez hoje isto.


28.19 E o Senhor entregará também a Israel contigo na mão dos filisteus, e amanhã tu e teus filhos estareis comigo; e o arraial de Israel o Senhor entregará na mão dos filisteus.


28.20 E imediatamente Saul caiu estendido por terra, e grandemente temeu por causa daquelas palavras de Samuel; e não houve força nele; porque não tinha comido pão todo aquele dia e toda aquela noite.



1 Samuel - Capítulo 31


31.1 Os filisteus, pois, pelejaram contra Israel; e os homens de Israel fugiram de diante dos filisteus, e caíram mortos na montanha de Gilboa.


31.2 E os filisteus perseguiram a Saul e a seus filhos; e mataram a Jônatas, e a Abinadabe, e a Malquisua, filhos de Saul.


31.3 E a peleja se agravou contra Saul, e os flecheiros o alcançaram; e muito temeu por causa dos flecheiros.


31.4 Então disse Saul ao seu pajem de armas: Arranca a tua espada, e atravessa-me com ela, para que porventura não venham estes incircuncisos, e me atravessem e escarneçam de mim. Porém o seu pajem de armas não quis, porque temia muito; então Saul tomou a espada, e se lançou sobre ela.


31.5  Vendo, pois, o seu pajem de armas que Saul já era morto, também ele se lançou sobre a sua espada, e morreu com ele.



Tópicos a serem abordados:
- As guerras são um sinal do primitivismo em que o homem ainda vive sobre a Terra. O que incentiva o homem ao combate violento é a predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e o exagero das paixões.  As guerras vem dos homens, nunca da Paz de Deus (1). Se os homens estivessem integrados no conhecimento dos seus deveres cristãos, jamais haveria conflitos sangrentos.

- Infelizmente, em certos casos, a guerra ainda é necessária para a liberdade e progresso dos povos. No entanto, aquele que provoca a guerra em proveito de si mesmo, para satisfazer a sua ambição, sofrerá duramente as consequências de seus atos em várias existências.

- Durante uma batalha existem Espíritos assistindo os combates e amparando cada um dos exércitos. Um grande exemplo da influência dos espíritos durante os combates pode-se ver claramente na história de Joana D’arc, que foi ditada por ela mesma, através de Ermance Dufaux (médium de Allan Kardec).

- Joana D'arc relata que era filha de um simples agricultor e apenas uma camponesa que morava no vilarejo francês de Domremy, quando aos 13 anos ela começou a escutar vozes, que considerava ser de São Miguel,  Santa Catarina e Santa Margarida. A primeira vez que ouviu a voz de São Miguel e o viu numa nuvem resplandecente, ele lhe disse que deveria rezar e confiar, que Deus libertaria a França, e que, dentro em pouco, uma moça, sem contudo dizer seu nome, seria o instrumento do qual ele se serviria para perseguir os ingleses e repor a França sob a autoridade de seus reis legítimos. Desde então, as visitas dos Espíritos tornaram-se frequentes e numa certa ocasião, enquanto ela guardava os animais, revelaram que a jovem, qual eles haviam falado, seria ela.

 -Os Espíritos lhes davam  bons conselhos e diziam  diversas coisas sobre o destino da França. Certo dia, as vozes lhe disseram: - Joana, vai te encontrar com o senhor de Baudricourt, comandante da cidade de Vaucouleurs, tu lhe dirás que ele te dê armas, um cavalo e dois fidalgos para te conduzir ao rei, que, por sua vez, te dará militares para levantar o cerco de Orléans. Tu o levarás em seguida a cidade Reims para fazer a sua sagração. Tu encontrarás em Saint-Catherine de Fierbois, no túmulo de um cavalheiro, que se encontra atrás do altar-mor, uma espada em cuja lâmina há cinco cruzes. O que acabamos de te dizer, e o que já revelamos antes, nós o fizemos por ordem de Deus, bem como, de São Luis, o protetor da França.

- Sendo assim, Joana D'arc foi se encontrar com o comandante, que a princípio, não acreditou em suas palavras. Depois escreveu uma carta a Carlos VII (2) para comunicar-lhe da sua missão e recebeu uma reposta de que poderia se encontrar com ele na cidade de Chinon. Após ser examinada sobre a veracidade da sua virgindade, para provar que não era uma bruxa, e ser submetida a um interrogatório, Carlos VII chamou-a à sua presença. Entretanto, para lhe testar, disfarçou-se e misturou-se à multidão, mas foi sem dificuldades que Joana D’arc distinguiu-o dentre todos os presentes, visto que conhecia sua imagem reproduzida em retratos e nas moedas. Então lhe disse: - Monsenhor Delfim, eu me chamo Joana, a Donzela, sou enviada por Deus para colocar a coroa sobre sua cabeça e para expulsar os ingleses desse reino, ao qual eles não têm direito algum.

- Carlos e os que lhe rodeavam ficaram profundamente surpresos, porém ele disse que era necessário lhe dar um sinal sobre a verdade do que dizia. Após ter feito sair todas as pessoas, Joana lhe disse que ele tinha entrado disfarçado, há algum tempo atrás, na casa da duquesa de Bourgogne, por razões que a gravidade da história não lhe permitia revelar, e que poderiam ter lhe causado conseqüências ruins. O rei ficou envergonhado ao vê-la falar sobre isto e lhe fez jurar que nunca revelaria este segredo.  Então, a partir deste dia, Carlos ficou convencido da veracidade da sua missão.

- Joana D’arc pediu para que fossem procurar a espada que estava na Igreja de Saint-Catherine de Fierbois. Ela estava velha e enferrujada, mas foi limpa e colocada numa bainha decorada com flores de lys. Mandou também fazer um estardarte branco, semeado de flores de lys, com imagem de anjos ao lado do Nosso Senhor, onde os nomes de Jesus e Maria seriam bordados com letras de ouro; pois usando ele durante os combates, lembraria que jamais deveria matar alguém.

- Posteriormente, enviou uma carta aos ingleses, pedindo-lhes para evacuar o reino, dizendo-lhes que foi enviada pelo Rei dos Reis para expulsá-los do Reino da França, porém os inimigos não aceitaram o seu pedido pacífico.  

- Então, aos 17 anos, começou a participar de vários combates contra os ingleses,  com a ajuda dos espíritos, que lhe indicaram algumas vezes o que deveria fazer e qual o caminho que deveria seguir. Num desses combates da guerra dos cem anos, uma flecha veio a ferir-lhe gravemente, mas de repente viu Santa Catarina que lhe disse: - Joana, os franceses combateram até agora sem sucesso, porém, coragem! Vocês conquistarão hoje o “boulevard” e o forte, e voltarão vitoriosos para Orléans. Assegurada de sua vitória, correu até a base do forte e lá fincou o seu estandarte gritando: - Coragem, franceses, eles são nossos!

- Após ter vencido várias batalhas, levou o rei a cidade de Reims, onde foi realizada a sua sagração. Quando terminou a cerimônia de coroação, cumprindo a sua missão, Joana jogou-se aos pés do rei suplicando que lhe permitisse voltar para Domremy com seu pai, sua mãe e seus irmãos, porém ele não disse nada de positivo.   

- Então, numa outra batalha, Joana D’arc foi atingida com uma seta na coxa. Acostumada a vencer, ficou escondida e recusou-se  a se retirar,  mas,  devido ao perigo, ordenaram que fosse buscá-la.  Quando foi  para cidade de Melun para defendê-la dos ingleses, as santas lhe apareceram e lhe disseram: - Joana, antes de Saint-Jean, cairás em poder dos teus inimigos, mas te submete a vontade de Deus, ele te ajudará nas provas que te aguardam. Tempos depois, durante um combate, isto de fato aconteceu, um arqueiro inglês, mais forte do que ela, segurou-a e a puxou do cavalo. Sem condições de se defender, rendeu-se a ele e daí por diante, tornou-se propriedade dos borguinhões, aliados dos ingleses.  

- No entanto, o bispo de Beauvais, queria que ela fosse entregue a inquisição e julgada pela Igreja, visto ser suspeita de ter cometido vários crimes, idolatrias, invocações aos demônios e atos contrários a santa fé. Essa negociação não tardou a acontecer, e a notícia de que seria vendida aos ingleses, acabou perturbando-a totalmente, resultando em duas tentativas frustadas de fuga da prisão.

- Joana D'arc foi julgada pelo tribunal da inquisição e os interrogatórios duraram vários dias. Entre muitas indagações, perguntaram sobre o que ela fazia na cidade de Domremy, o que os seus pais faziam, se usava mandrágoras (planta usada em feitiçaria na idade média), quando começou a escutar as vozes, como fisicamente eram os santos, se estava sob a graça de Deus, quem lhe induziu a vestir roupas de homens, e que sinal havia dado ao rei para provar que vinha a mando de Deus. Não respondia a todas as perguntas, alegava que precisava da autorização das vozes que lhe guiavam.

- Os inquisidores queriam que ela se submetesse a Igreja e que assinasse um termo, no qual não usaria mais roupas de homens, nem cabelos cortados, nem pegaria em armas e cavalgaria junto com militares, caso contrário seria queimada na fogueira... Joana D’arc aceitou assinar o termo, porém não havia percebido que eles tinham trocado as expressões originais e fizeram-na assumir a culpa de heresia. Então, em 1431, aos 19 anos, a heroína Joana D’arc, a última reencarnação de Judas Iscariotes aqui na Terra,  foi morta na fogueira. A Igreja Católica Romana, somente em 1920,  quase cinco séculos após ,  reconheceu a sua santidade, sendo canonizada pelo Papa Bento XV.

-  A crueldade e as guerras, que começam no egoísmo de cada um, que se corporifica na discórdia do lar, e se prolonga na intolerância da fé, na vaidade da inteligência e no orgulho das raças, somente desaparecerão da face da Terra quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus.

Comentário (1): Cura. Origem da guerra. Espírito Emmanuel.  Psicografado por Chico Xavier. (2): Na língua francesa, é chamado de Charles VII.

Perguntas para fixação:
1. O que incentiva o homem a provocar guerras?
2.  Por que as guerras, infelizmente, ainda são necessárias?
3.  Os espíritos podem influenciar para o bem ou para o mal durante os combates?
4.  Com quantos anos Joana D’ arc começou a ouvir as vozes dos espíritos?
5.  Qual era o nome dos espíritos que ela via e ouvia?
6.  Qual o nome do país que Joana D’arc deveria defender?
7.  Quem eram os inimigos da França na guerra dos Cem anos?
8.  Qual era o nome do rei que deveria ser coroado?
9.  Qual foi o sinal que Joana deu a Carlos para que ele se convesse da sua missão?
10.  O que foi revelado pelos espíritos e Joana pediu para procurar ?
11.  Que tipo de roupa Joana D’arc usava durante os combates?
12.  Qual instituição condenou Joana D’arc, alegando cometer heresias?
13.  Onde Joana D’arc morreu?
14.  Quando as guerras desaparecerão da face da Terra?

Subsídio para o Evangelizador:
            Segundo Chico Xavier, " As  guerras   são um sinal do primitivismo em que o homem ainda vive sobre a Terra! "(O Evangelho de Chico Xavier. Item 227. Chico Xavier / Carlos A. Baccelli)

            Que é que impele o homem à guerra?
            Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem - o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos freqüente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária. (O Livro dos Espíritos. Questão742. Allan Kardec) 

             De acordo com Chico Xavier "Todos os males que assolam a humanidade derivam do egoísmo; é ele o grande responsável pelos preconceitos de toda a espécie - o orgulho racial, o fanatismo religioso, a ambição do poder: é ele que fomenta as guerras de extermínio, a subjugação de um povo por outro, o desequilíbrio que assola as mentes que articulam atentados terroristas..." (O Espírito de Chico Xavier. Pag. 29. Chico Xavier. Psicografado por Carlos A. Baccelli)

            Segundo o Espírito Emmanuel, "Terminada a última guerra (Obs.: 1° guerra mundial, 1914-1918), todos os povos ponderaram a necessidade de paz, dentro de uma política regeneradora. Esgotadas e empobrecidas, as nações européias idealizaram tratados, conferências e institutos que equilibrassem o continente, prevenindo-se contra a possibilidade de futuros arrasamentos. Alterou-se a carta geográfica do mundo europeu repartindo-se colônias, criou-se uma literatura antibélica e iniciaram-se novas experiências políticas com a formação das repúblicas soviéticas. Mas a verdade é que cada país multiplicou os seus organismos de guerra; cada qual pensou na paz, trabalhando na sombra para as lutas do porvir. E quando, depois de anos a fio de conversações diplomáticas e de citações de determinados artigos dos supostos estatutos da tranqüilidade coletiva, caíram os sonhos de um desarmamento geral e diminuíram em eficácia os processos da Sociedade de Genebra, o mundo viu, aterrado, aumentar os efetivos das forças armadas de todas as nações.
            Vê-se, mais que nunca, que toda a vida do Ocidente depende da guerra. Milhares de operários têm suas atividades postas ao serviço da manufatura das armas homicidas.
            Milhares de homens estão empregados no trabalho de militarização. Milhares de criaturas se movimentam e ganham o pão cotidiano nas indústrias guerreiras." (Livro: Emmanuel. Cap. 21 - Na dependência da guerra. Espírito Emmanuel.  Psicografado por Chico Xavier)
            Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?
            Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.(O Livro dos Espíritos. Questão 743. Allan Kardec)
            Por muito tempo ainda cremos que, infelizmente, a humanidade será perseguida pela guerra e pela coorte de seus infortúnios e desgraças; cremos que a sua extinção se verificará somente depois de uma renovação radical nas diretrizes econômicas adotadas pela maior parte dos países, aliada ao sentimento de solidariedade e fraternidade universais que, segundo a educação necessária, deve ser o característico das gerações futuras.
            A guerra obedece a um determinismo no plano da evolução?
            Crê-se que a guerra obedeça a leis deterministas; julgo porém que proferir semelhante conceito é avançar muito. Ela é a consequência natural dos defeitos das leis humanas.
            A necessidade imprescindível do momento do mundo é a solução do problema educativo. Faz-se precisa a educação pessoal e coletiva: da primeira decorre o progresso particular; da segunda a evolução do mundo e das suas leis. (Palavras do infinito. A máxima de Juvenal continua de pé. Espírito Emmanuel.  Psicografado por Chico Xavier)
            Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?
            A liberdade e o progresso.
            Desde que a guerra deve ter por efeito produzir o advento da liberdade, como pode freqüentemente ter por objetivo e resultado a escravização?
            Escravização temporária, para esmagar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.(O Livro dos Espíritos. Questão744 e 744-a. Allan Kardec) 

            De que natureza será a missão do conquistador que apenas visa satisfazer à sua ambição e que, para alcançar esse objetivo, não vacila ante nenhuma das calamidades  que vai espalhando?

           As mais das vezes não passa de um instrumento de que se serve Deus para cumprimento de seus desígnios, representando essas calamidades um meio de que ele se utiliza para fazer que um povo progrida mais rapidamente. (O Livro dos Espíritos. Questão 584. Allan Kardec)

            Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu?
            Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição. (O Livro dos Espíritos. Questão745. Allan Kardec)

             Tem o homem culpa dos assassínios que pratica durante a guerra?

              Não, quando constrangido pela força; mas é culpado das crueldades que cometa,sendo-lhe também levado em conta o sentimento de humanidade com que proceda. (O Livro dos Espíritos. Questão749. Allan Kardec)

            Durante uma batalha, há Espíritos assistindo os combates e amparando cada um dos exércitos?
            Sim, e que lhes estimulam a coragem.
            Os antigos figuravam os deuses tomando o partido deste ou daquele povo. Esses deuses eram simplesmente Espíritos representados por alegorias. (O Livro dos Espíritos. Questão 541. Allan Kardec)
            Um oficial do exército da Itália, relata na Revista Espírita de 1859, que Deus também pode utilizar os agentes da natureza para cessar o combate,;vejamos logo abaixo o que este Espírito disse:
            No fim da batalha de Solferino desabou uma violenta tempestade. Foi por uma circunstância fortuita ou por um desígnio providencial?
            ─ Toda circunstância fortuita é resultado da vontade de Deus.
            Essa tempestade tinha um objetivo? Qual seria ele?
            ─ Sim, por certo: cessar o combate.
            Foi provocada no interesse de uma das partes beligerantes? Qual delas?
            ─ Sim, sobretudo para os nossos inimigos.
            ─ Por quê? Poderíeis explicar-vos mais claramente?
            ─ Perguntais-me por quê? Não sabeis que, sem essa tempestade, nossa artilharia não teria deixado escapar nenhum austríaco?
            Se essa tempestade foi provocada, deve ter tido agentes que a provocaram. Quais foram eles?
            ─ A eletricidade. (Revista Espírita. Setembro de 1859. Palestras familiares além do túmulo. Allan Kardec)
            (...) Compreendemos perfeitamente que a vontade de Deus seja a causa primeira, nisto, como em todas as coisas. Mas, também sabemos que os Espíritos são seus agentes. Ora, se sabemos que os Espíritos exercem ação sobre a matéria, não vemos por que alguns deles não teriam ação sobre os elementos, a fim de agitá-los, acalmá-los ou dirigi-los.
            ─ Mas é evidente. Isto não pode ser de outro modo. Deus não age diretamente sobre a matéria. Ele tem seus agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos. O Espírito evocado assim falou por ter um conhecimento imperfeito dessas leis, bem como das leis da guerra. (Revista Espírita. Setembro de 1859. As tempestades - Papel dos Espíritos nos fenômenos naturais. Allan Kardec)
            Estando, numa guerra, a justiça sempre de um dos lados, como pode haver Espíritos que tomem o partido dos que se batem por uma causa injusta?
            Bem sabeis haver Espíritos que só se comprazem na discórdia e na destruição. Para esses, a guerra é a guerra. A justiça da causa pouco os preocupa. (O Livro dos Espíritos. Questão 542. Allan Kardec)
            Podem alguns Espíritos influenciar o general na concepção de seus planos de campanha?
            Sem dúvida alguma. Podem influenciá-lo nesse sentido, como com relação a todas as concepções. (O Livro dos Espíritos. Questão 543. Allan Kardec)
            Poderiam maus Espíritos suscitar-lhe planos errôneos com o fim de levá-lo à derrota?
            Podem; mas, não tem ele o livre-arbítrio? Se não tiver critério bastante para distinguir uma idéia falsa, sofrerá as conseqüências e melhor faria se obedecesse, em vez de comandar. (O Livro dos Espíritos. Questão 544. Allan Kardec)
            Pode, alguma vez, o general ser guiado por uma espécie de dupla vista, por uma visão intuitiva, que lhe mostre de antemão o resultado de seus planos?
            Isso se dá amiúde com o homem de gênio. É o que ele chama inspiração e o que faz que obre com uma espécie de certeza. Essa inspiração lhe vem dos Espíritos que o dirigem, os quais se aproveitam das faculdades de que o vêem dotado. (O Livro dos Espíritos. Questão 545. Allan Kardec)
            Todos os povos tiveram seus médiuns e as inspirações de Joana d’Arc não eram mais do que vozes de Espíritos benfazejos que a dirigiam. (O Livro dos Médiuns. Segunda parte. Cap. 31. Dissertações Espíritas -  Sobre os médiuns. Item 11. Allan Kardec)
            Joana d’Arc não é um problema nem um mistério para os espíritas. É um modelo eminente de quase todas as faculdades mediúnicas, cujos efeitos, como uma porção de outros fenômenos, se explicam pelos princípios da doutrina, sem que haja necessidade de lhes buscar a causa no sobrenatural. Ela é a brilhante confirmação do Espiritismo, do qual foi um dos mais eminentes precursores, não por seus ensinamentos, mas pelos fatos, tanto quanto por suas virtudes, que nela denotam um Espírito superior.
            (...)Quais são essas estranhas percepções de espírito? São revelações que permitiram a  Joana , ora perceber os mais secretos pensamentos de certas pessoas, ora perceber objetos fora do alcance dos sentidos, ora discernir e anunciar o futuro.
            (...) Em primeiro lugar,  Joana   revelou a Carlos VII um segredo conhecido por Deus e por ele, único meio que ela teve de forçar a crença daquele príncipe desconfiado.
            Depois, achando-se em Tours, discerniu que havia, entre Loches e Chinon, na igreja de Santa Catarina de Fierbois, enterrada a uma certa profundidade, perto do altar, uma espada enferrujada e marcada com cinco cruzes. A espada foi encontrada, e seus acusadores mais tarde lhe imputaram ter sabido por ouvir dizer que essa arma lá estava ou de tê-la colocado ela própria.
            (...)Em uma de suas primeiras conversas com Carlos VII, ela lhe anunciou que, operando-se a libertação de Orléans, ela seria ferida, mas sem ser posta fora de combate; suas duas santas lho haviam dito, e o acontecimento lhe provou que elas não a tinham enganado. Ela confessa isto em seu quarto interrogatório
            (...)Sobretudo nós, que conhecemos o desenlace desse drama maravilhoso, nós que sabemos que os ingleses com efeito foram expulsos do reino e a coroa de Reims foi firmada na cabeça de Carlos VII, devemos crer, com o Sr. Wallon, que Deus jamais cessou de inspirar aquela cuja grandeza lhe aprouve consagrar pela provação e cuja santidade lhe aprouve consagrar pelo martírio. (Revista Espírita. Dezembro de 1867. Jeanne D'Arc e seus comentadores. N. de Wailly/ Allan Kardec)
            Vejamos, logo abaixo, o resumo do livro " A História de Joana D’arc, ditada por ela própria"  à Senhorita Ermance Dufaux, médium de 14 anos, colaboradora de Allan Kardec. Segundo o Codificador da Doutrina Espírita, " Esse trabalho, um dos mais preciosos no gênero, contém documentos preciosos do ponto de vista histórico." (Revista Espírita. Janeiro de 1858. História de Joana D’arc ditada por ela própria à Senhorita Ermance Dufaux. Allan Kardec)
Joanna D'arc inicia contando a sua história, dizendo:
"Filha de um simples agricultor, minha vida deveria ter sido calma e pacata, como o riacho desconhecido que corre sobre a relva; mas não foi assim: Deus não o quis. (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Prefácio. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            (...) Vim ao mundo em Domremy , cidadezinha pobre, perto de Vaucouleurs , filha de Jacques Darc e de Isabeau Daix, sua esposa. Minha mãe só era conhecida em Domremy pelo nome de Romé. (...)Eu já tinha então três irmãos: Jacquemain, Jean e Pierre, bem coma uma irmã chamada Isabeau (1).
            (...)Meus pais, pobres e honestos, só puderam me dar uma educação compatível com a situação deles;eu aprendi a costurar e fiava quando não estava cuidando dos animais com minha irmã.
            Desde minha infância fui educada dentro de importantes sentimentos de devoção e de amor por meu legítimo soberano (Charles VI), bem como de uma imensa raiva pelos ingleses, raiva que só fazia aumentar os danos da guerra...
            (...)Um dia, eu tinha 13 anos, estava fiando sentada sob um carvalho no jardim da casa de meu pai, quando escutei uma voz que me chamava. Não vendo ninguém, pensei ter sido um engano da minha imaginação; mas a mesma voz se fez ouvir alguns segundos depois. Eu vi então, numa nuvem resplandecente, Saint-Michel acompanhado de anjos do céu. Ele me disse para rezar e confiar, que Deus libertaria a França, e que, dentro em pouco, uma moça, sem contudo dizer seu nome, seria o instrumento do qual ele se serviria para perseguir os ingleses e repor a França sob a autoridade de seus reis legítimos. Com essas palavras eles desapareceram, deixando-me num profundo espanto e muito assustada com uma tal visão; eu dediquei, incontinente, minha virgindade a Deus.
            Vendo-me pensativa, minha irmã Isabeau, que acabara de chegar, disse-me sorrindo:
            — O que você está fazendo aqui, sua preguiçosa? Olhando para o ar? Não seria melhor continuar sua costura?
            Minha irmã era pouco mais velha do que eu; ela era dotada de uma personalidade forte e de um raro bom senso. Nunca guardei segredo dela, assim não hesitei em lhe confiar o que tinha acabado de me acontecer com a firme decisão de seguir seus conselhos. Após me ouvir, ela disse que eu estava louca, que provavelmente eu tinha adormecido com a alma muito preocupada com os problemas da França; que esta visão era somente uma criação da minha imaginação muito fértil. Constatando que eu persistia em negar todas as suposições que pôde fazer para abalar a minha convicção, ela disse então que me acreditava de boa-fé, mas que me aconselhava a não comentar com ninguém sobre essa aventura. Eu segui seu conselho, não se falou mais sobre isso e esse caso logo caiu no esquecimento, mas não por muito tempo.
            Aproximadamente um mês depois eu revi o arcanjo e seus anjos. Ele me deu bons conselhos e me disse diversas coisas sobre o destino da França. Suas visitas tornaram-se bastante frequentes; um dia, ele disse que em breve eu veria Sainte-Catherine e Sainte-Marguerite.
            — Filha de Deus, acrescentou ele, segue seus conselhos e faz o que te disserem; elas são realmente enviadas pelo Rei do céu para te guiar e dirigir; obedece a elas em tudo.
            Pouco depois eu vi, junto a ele, duas jovens mulheres de uma radiante beleza. Elas estavam magnificamente vestidas; usavam, sobre a cabeça, coroas de ouro, ornamentadas com pedras preciosas. Ajoelhei- me e beijei seus pés. Uma delas me disse que se chamava Catherine e a outra Marguerite. Elas repetiram o que Saint-Michel me havia dito sobre a França e desapareceram. Saint-Michel, os anjos e elas apareciam raramente, porém, eu sempre escutava suas vozes acompanhadas por uma imensa claridade.
            Um ano depois, vi ainda os três santos que me disseram a mesma coisa, ordenando-me, todavia, revelar tudo na hora do serão noturno.
            (...)Eu obedeci as ordens das santas, que me haviam mandado revelar a próxima libertação da França; meu pai, ouvindo-me falar assim severamente me impôs silêncio; minha irmã Isabeau, que tinha compreendido por ela mesma, apoiou-me vivamente, e cada um, visto que já era tarde, retirou-se pensativo.
            Alguns meses depois, enquanto guardava os animais, escutei uma voz que chamava pelo meu nome; vi, uma vez mais, Saint-Michel, Sainte-Marguerite e Sainte-Catherine que, dessa vez, disseram que a jovem, qual eles haviam falado, seria eu.
            (...)Os habitantes de Domremy só conheceram os males da guerra pelo que ouviam falar; soubemos logo que os ―bourguignons (ingleses) destruíram os arredores e avançavam em direção à nossa cidade, todos os habitantes fugiram levando seus rebanhos e seus objetos mais valiosos; eles foram se refugiar em Neufchâtel, na região da Lorena. Minha família e eu nos hospedamos na casa de uma bondosa senhora, conhecida como a Ruiva, e lá ficamos cinco dias, durante os quais eu levava os animais de meu pai para o pasto, junto com minha irmã Isabeau; o resto do tempo, ajudava nossa bondosa anfitriã na arrumação da casa, junto com minha mãe e minha irmã.
            (...)Estava em Neufchâtel um rapaz de Toul que viera a negócios; ele me viu enquanto orava na igreja; tocado pela minha beleza e por minha devoção, concebeu o projeto de desposar-me.
            (...) Quando retornamos a Domremy ele foi pedir minha mão a me pai, que a concedeu sem maiores dificuldades. O rapaz era bom sob todos os aspectos e possuía alguns bens.
            Meu pai não sabia ao certo o que devia pensar de minhas visões; um sonho que teve, no qual me via partir com militares, fazia com que ele desejasse ardentemente meu casamento, apesar de minha tenra idade.
            Como eu sempre obedecera a ele, bem como a minha mãe, com total submissão, meu pai acreditou que eu consentiria, sem oposição, no que eles esperavam de mim. Ele ficou tão surpreso quanto furioso quando respondi simplesmente, mas com segurança, que não queria me casar Ele ameaçou me bater e prendeu-me no meu quarto para que eu fizesse minhas reflexões.
            No dia seguinte repeti a mesma coisa; ele recorreu então a um meio que acreditava eficaz: foi o de estimular o pretendente a me convocar diante do juiz. (...)Eu jurei, diante do juiz, dizer a verdade, e protestei afirmando que não tinha feito promessa alguma àquele rapaz, enquanto que ele sustentava obstinadamente o contrário.  
            — Está bem!, disse eu, então mostre suas provas.
            Como não havia provas, ele se embaraçou e confessou que eu nunca lhe fizera promessa de casamento, e que, se ele o afirmara, foi somente para me coagir a aceitá-lo como marido.
            Durante vários anos, minhas revelações só foram conhecidas pelo meu círculo habitual de amigos. Um dia as vozes me disseram: Jeanne, vai te encontrar com o senhor de Baudricourt, comandante de Vaucouleurs; tu lhe dirás que ele te dê armas, um cavalo e dois fidalgos para te conduzir ao rei, que, por sua vez, te dará militares para levantar o cerco de Orléans. Tu o levarás em seguida a Reims (cidade, localizada a nordeste de Paris) para fazer a sua sagração. Tu encontrarás em Sainte-Catherine de Fierbois, no túmulo de um intrépido cavalheiro, que se encontra atrás do altar-mor, uma espada em cuja lâmina há cinco cruzes. O que acabamos de te dizer, e o que já revelamos antes, nós o fizemos por ordem de Deus, bem como, de Saint-Louis, o protetor da França.
            Eu tinha perguntado aos santos se deveria dizer isso a meus pais, eles responderam que eu fizesse o que quisesse, que eles, porém, o desaconselhavam, temendo que meus pais colocassem obstáculos à minha viagem. Era o que eu pensava também; a incredulidade de meu pai com respeito às vozes não me encorajava a dizer-lhe que elas me mandavam partir; eu não ousei falar nem mesmo com minha mãe e irmãos, todavia contei toda a verdade a Isabeau, minha irmã.
            As vozes apressavam minha partida; não poderia mais permanecer onde estava.
            (...)Algum tempo depois encontrei um meio de ir a Vaucouleurs com Pierre, meu irmão caçula. Fui encontrar-me com o senhor de Baudricourt que após me ouvir, riu do que ele chamou de um sonho de moça. Como meu irmão deveria trazer algumas tarefas para meu tio Durand, voltei sozinha para Domremy, bastante desanimada com o pouco sucesso da viagem.
            Havia perto da cidade, uma bela fonte que desfrutava da sombra de uma antiga tília; toda a cidade vinha até ela buscar a água para suas necessidades.
            Sentei-me ao pé dessa árvore e pus-me a pensar tristemente no fracasso da recente visita, duvidando um pouco da veracidade da minha missão pois achava impossível que Deus, se tivesse realmente me escolhido, me abandonasse nessa viagem da qual dependia o sucesso de minha missão.
            ―Não teria sido eu, vitima de um sonho ou talvez influenciada por maus espíritos?
            Tais eram as perguntas que me fazia interiormente quando, de repente, vi Sainte-Marguerite; (...)Ela me disse com um angelical sorriso:
            — Jeanne, por que desanimas desse jeito? Por que te desgostares por causa desse insucesso? Deus te protege. Vai, retorna a casa de teus pais que estão preocupados com a tua ausência; a lua com sua fronte radiosa iluminará teu caminho.
            (...)Como já esperava, fui mal recebida por meus pais que, por causa do meu desaparecimento, tinham mergulhado numa inquietação mortal. Meu pai perguntou-me de onde eu vinha e quem permitira que eu me ausentasse por três dias sem avisar ninguém. Respondi-lhe que vinha de Vaucouleurs, da casa do senhor Robert de Baudricourt, e que estava tão somente obedecendo as vozes; elas tinham ordenado que eu fosse explicar a ele minha missão. Como conheciam a minha obstinação em sustentar a veracidade dessas visões, ele acreditou nas minhas palavras e não me bateu.
            (...)Como meus pais me prendiam muito, e velavam por mim com grande severidade, no intuito de impedir que eu voltasse a Vaucouleurs, implorei a meu tio que lhes pedisse para me deixarem passar dois dias na casa dele. Meu pai não hesitou em aceitar pois sabia que eu estaria tão bem na casa dele como na própria casa paterna.
            (...)Ficamos hospedados na casa de uma senhora chamada Catherine, esposa de Henri, um senhor que consertava carroças em Vaucouleurs. Durante vários dias não pude chegar até o comandante; ele, finalmente, consentiu em me receber; mas, após ter-me feito diferentes perguntas, despachou-me mandando-me ir para os ―quintos dos infernos. Retornei a sua casa passado algum tempo, dessa vez, enfadado com minha insistência, enviou-me o cura de Vaucouleurs, acreditando que eu estivesse possuída pelo demônio, mas o pobre homem, após inúmeras preces, não pôde me curar. Voltei a Petit-Burey, depois para Domremy, para a casa de meus pais que de nada desconfiaram.
            Voltei pouco depois, com meu tio, à casa do comandante, que achava que tinha se livrado de mim para sempre; ele não quis me receber. Fiquei três semanas em Vaucouleurs, indo a casa dele a todo instante. Ele voltou atrás na sua decisão e resolveu me receber. O fracasso dos exorcismos do cura o tinham colocado de péssimo humor.
            Antes de ir visitá-lo, eu perguntara aos santos o que seria preciso fazer para convencê-lo; eles me responderam que deveria dizer-lhe que os franceses tinham acabado de perder uma batalha em Órleans; que esse fracasso seria conhecido na história sob o nome de ―Jornada dos Arenques (2). O comandante, surpreso com a segurança com a qual eu predisse esse revés, disse-me que voltaria a me chamar. Soube-se, pouco tempo depois, a verdade sobre o que eu lhe havia dito; desde então ele não tinha mais razão para se recusar a me enviar ao rei.
            Ele me armou dos pés à cabeça, deu-me um cavalo e dois fidalgos da região de Champagne (antiga província francesa), chamados Jean de Metz e Bertrand de Poulengy, que só consentiram em me acompanhar após muita relutância, o caminho estava ocupado pelos ingleses. Esses dois nobres e outras cinco pessoas compunham toda a minha escolta; eram meu irmão Pierre, Collet de Vienne, um arqueiro chamado Richard e dois moços de cavalaria, Jean de Honnecourt e Julien.
            A realização do que eu havia predito fazia com que as pessoas, mesmo as de minha cidade, me olhassem como se eu fosse uma profetisa inspirada por Deus.
            (...)Enviei imediatamente ao rei, as cartas do monsenhor de Baudricourt, através das quais anunciava a Charles minha missão e rogava que ele me concedesse uma audiência, apesar dele se atormentar por tentar obter-me esse favor.
            (...)Fiquei três dias em Chinon sem poder falar com ele. Desde o segundo dia, ele ordenou que eu fosse até a casa de Iolande d’Arragon, rainha da Sicília, sua sogra, a fim de ser examinada por ela, pois um dos preconceitos da época era o de que uma bruxa não poderia ser virgem; entretanto, diversos exemplos recentes haviam mostrado seu pouco fundamento. O exame provou minha inocência e, desde esse dia, fui denominada a Donzela.
            Finalmente após três dias durante os quais o conselho hesitou entre o medo e a curiosidade, esta última triunfou e Charles VII me chamou à sua presença; após ter sido submetida a um exame e a um interrogatório.
            (...)O rei para me testar, disfarçou-se e misturou-se a multidão de bajuladores; há muito tempo os retratos vendidos pelos mascates, e sua figura marcada mas moedas, tinham-me feita conhecê-lo; foi sem dificuldade que eu o distingui dentre todos os presentes, dizendo-lhe entre outras coisas:
            — Monsenhor, Delfim, eu me chamo Jeanne, a Donzela; sou enviada por Deus para colocar a coroa sobre sua cabeça e para expulsar os ingleses desse reino, ao qual eles não têm direito algum.
            Charles e os que o rodeavam não puderam dissimular a profunda surpresa que lhes causou a distinção que eu havia feita ao rei, sem tê-lo jamais visto. Charles, entretanto, disse que não poderia crer nas minhas palavras, que eu lhe desse um sinal sobre a verdade do que dizia.
            Após ter feito sair todas as pessoas, eu disse que ele tinha entrado disfarçado, há algum tempo atrás, na casa da duquesa de Bourgogne, por razões que a gravidade da história não me permite revelar, e que poderiam ter causado a ele consequências funestas. O rei, escutando-me falar sobre isso, não pôde deixar de enrubescer-se; e me fez jurar, pela minha alma, que nunca revelaria esse segredo a quem que fosse.
            Realmente, esta revelação, a qualquer momento que fosse feita, poderia causar as maiores desgraças, fazendo nascer no duque, que já não era muito unido a ele, um inimigo mortal.
            Charles, desde esse dia, ficou convencido da veracidade da minha missão; entretanto, ele resolveu que me levariam a Poitiers, para ser examinada pelo parlamento lotado nessa cidade, e que ele mesmo também iria.
            (...)O rei nomeara comissões para me interrogarem; fui questionada todos os dias.
            Aguardando que tudo ficasse pronto para minha partida, o rei se divertia em fazer-me correr de vez em quando com a lança; eu cumpria esse exercício de forma a obter todos os votos.
            (...)Eu pedi para que fossem procurar a espada que estava na igreja de Sainte-Catherine de Fierbois; ela se encontrava no túmulo do cavalheiro inumado, perto do altar. Ela estava velha e enferrujada; foi limpa e colocada numa bainha decorada com flores de lys. Perguntaram-me se eu já tinha visto cal espada, respondi que não, mas que os santos me revelaram sua existência e sua presença nesse túmulo.
            Isto foi mais um motivo de surpresa para todos.
            Deram-me uma comitiva digna da posição de um chefe de guerra; tive pajens, escudeiro e militares.
            (...)Mandei fazer um estandarte branco, semeado de flores de lys, sobre o qual estava representado o Salvador, sentado no seu trono, nas nuvens; ele segurava um globo com sua mão esquerda; com sua mão direita parecia abençoar um raminho florido de flor de lys que um anjo trazia nas mãos enquanto que um outro anjo parecia rezar ao lado esquerdo de Nosso Senhor. Os nomes de Jesus e Maria estavam bordados com letras de ouro.
            Compareci diante do conselho do rei para discutir sobre a maneira de expulsar os ingleses do nosso reino.
            (...) Enviei aos ingleses, através de um arauto chamado Guyenne, uma carta concebida nesses termos:
            (...)Entreguem ao rei da França as chaves de todas as cidades que vocês usurparam do dito rei Charles, único e legítimo herdeiro da coroa francesa. Jeanne, a Donzela, foi enviada por Deus para restabelecer sobre o trono, Charles, Delfim de Viennois, seu verdadeiro dono. Ela está prestes a lhes conceder a paz, se os senhores concordarem com ela... (...)Caso não obedeçam a sua súplica, ela fará tanto que os franceses realizarão os mais belos combates dos quais a cristandade terá sido testemunha, e que seus homens os expulsarão desse reino ao qual os senhores não têm direito algum.
            (...)A escolta era composta por aproximadamente seis mil homens.
            Reuni todos os padres e religiosos da cidade, formei um batalhão sagrado que se posicionou a frente do comboio, fazendo soar nos ares hinos sacros que os soldados, arrebatados de alegria e seguros da vitória, repetiam com entusiasmo e fervor. Antes de partir mandei expulsar todas as mulheres fáceis. (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Cap. 1. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            Eu me mantinha sempre à frente de uma tropa, entre a cidade e os inimigos, para impedir que a invadissem e para proteger a entrada dos víveres e dos soldados, porém, não tive nada para fazer, os ingleses não se mexeram e continuaram a nos deixar passar tranquilamente, olhando-nos do alto de seus fortes.
            (...)O comboio chegou em Orléans no dia 3 de maio, à noite, sem ter encontrado nenhum obstáculo; entretanto, apesar de saber que os ingleses não se mexeriam, fui ao seu encontro com o conde de Dunois e algumas tropas. Várias palavras, que o conde de Dunois deixou escapar, me fizeram suspeitar que escondiam algo importante; achei que fosse a hora da chegada de Fastol, chefe inglês que devia levar os reforços aos sitiantes; eu disse energicamente ao Bastaro:
            — Bastardo, peço-lhe, em nome de Deus, que me informe a hora exata da chegada de Fastol, porque se isso ocorrer sem que eu o saiba, mando cortar sua cabeça.
            (...)No dia seguinte, os capitães que haviam chegado no dia 3 saíram à noite sem me avisar. Eles atacaram a bastilha de Saint-Loup, que o senhor de Talbot trazia bem munida de soldados e de víveres e que era extremamente fortificada. Eu, prostrada por causa do cansaço dos dias precedentes, estava dormindo nessa hora quando Sainte-Catherine me acordou e disse:
            — Jeanne, arma-te rápido e vai até o Forte de Saint-Loup, que os franceses atacaram inoportunamente; eles recebem nesse momento a pena de sua imprudência; alguns deles já estão mortalmente feridos; vai ao encontro deles e tu os trarás triunfantes. Ela também indicou o caminho que eu deveria seguir.
            (...)Montei de imediato e me pus a galope, seguindo a direção indicada por Sainte-Catherine. Cheguei, estandarte ostentado face aos franceses que, me vendo, se encheram de nova coragem. Logo forçamos os ingleses do forte a se retirarem para o campanário, contra o qual iniciamos imediatamente o ataque.
            (...)Cento e setenta e quatro pereceram neste ataque; duzentos foram presos. Todos os franceses, tão logo a Fortaleza foi conquistada, puseram-se a demoli-la; não  ficou pedra sobre pedra. Nós a incendiamos logo após a retirada dos alimentos e de tudo o que julgamos poder nos ser útil.
            (...)De volta à cidade, ditei uma segunda carta assim concebida:
            ―Aos ingleses: da parte do verdadeiro Deus, eu ordeno que abandonem seus fortes e que voltem para seus lares. Lembrem-se de que vocês não têm nenhum direito ao reino da França e que Jeanne, a Donzela, fará com que se arrependam dessa temeridade caso desobedeçam às suas ordens...
            (...) Eles me responderam com injúrias; enviei uma terceira carta pelo mesmo modo; ela não teve maior sucesso.
            (...)Na sexta-feira, 6 de maio, atravessei a região do Loire a frente de 400 franceses, diante de Glacidas, que comandava o forte de Tourelles. Essa Fortaleza estava sendo defendida por 500 homens, a elite das tropas inglesas. Imediatamente ele retirou suas tropas que se encontravam no forte de Saint-Jean-le-Blanc e elas foram aumentar a guarnição que protegia a bastilha dos Angustins. Para evitar que eles a retomassem novamente, mandei incendiar o forte Saint-Jean-le-Blanc.
            (...) Todos os inimigos que vinham da Fortaleza de Saint-Prive gritaram para alertar os dos Augustins. Meus soldados, apavorados com esses gritos, fugiram logo. Forçada a segui-los, formei a retaguarda.
            (...)Após combater longo tempo, e sem o menor sucesso, falava-se de retirada, eu, porém, consegui fazê-los ficar e, após um combate sangrento, nós invadimos todo o forte. Fui ferida no pé por uma armadilha. Os ingleses eram numerosos nesse forte; foram todos massacrados, apesar de minhas ordens e minhas orações. Encontramos no local grande quantidade de víveres e riquezas de várias espécies; pegamos ludo para levar para Orléans e incendiamos a bastilha dos Augustins.
            Só restou, do lado da Sologne, o ―boulevard e o forte de Tourelles, que protegiam a entrada da ponte construída sobre o rio Loire, neste local; enviei para lá a maioria dos meus soldados para formar o cerco e voltei a contragosto a Orléans; gostaria de ter me reunido aos meus soldados de Tourelles para compartilhar com eles o perigo e para encorajá-los.
            (...)Mal colocara o curativo em minha ferida, os chefes militares de Orléans, e todos aqueles que estavam nesta cidade, a mando do rei, a mando do rei, vieram me procurar para deliberar sobre o que deveria ser feito.
            (...)Minha opinião foi a de atacarmos o forte de Tourelles no dia seguinte, na aurora, e de atravessar o rio Loire com todos os soldados de que pudéssemos dispor: os capitães de Orléans aplaudiram com entusiasmo esse projeto; entretanto, os capitães a mando do rei o acharam ruim, como de hábito.
            (...)Tinha sob minhas ordens 500 franceses.
            Atacamos vigorosamente os ingleses, e eles se defenderam da mesma forma. Nós nos combatemos até às 16 bolas sem que o menor sucesso nos encorajasse. O Bastardo de Orléans e os capitães, vendo que não avançávamos e que já era tarde, decidiram que deveríamos nos retirar com a artilharia, para a cidade, até o dia seguinte. Nesse momento uma flecha veio me ferir gravemente a garganta, retirei-me imediatamente para um canto, desarmei-me e estanquei o sangue que corria abundantemente de minha ferida; de repente vi Sainte-Catherine que me disse:
            — Jeanne, os franceses combateram até agora sem sucesso, porém, coragem! Eles conquistarão hoje o "boulevard" e o forte, e voltarão vitoriosos para Orléans.
            Montei imediatamente a cavalo e fui pedir ao Bastardo de Orléans a graça de ficar ainda algumas horas, assegurando-o de nossa vitória, corri em seguida até a base do forte e lá finquei meu estandarte gritando:
            — Coragem, franceses, eles são nossos!
            Escutando-me falar assim, eles redobraram os esforços. Os ingleses, tomados por um terrível pânico, abandonaram o boulevard e se retiraram para Tourelles, nós, porém, logo nos apossamos de tudo.
            (...)Dos 500 ingleses, 300 foram mortos e 200, aprisionados. Essa importante conquista resultou na liberação da passagem da Sologne e na consternação dos corações ingleses.
            (...)Voltamos triunfantes para Orléans às 18 horas. Não se pode imaginar a alegria dos cidadãos; vieram em multidão até meu hotel, cobrindo-me de agradecimentos e de ações de graças.
            Assim que cheguei; fiz-me desarmar e tratar o ferimento que, felizmente, não era perigoso embora fosse sério.
            (...)Os ingleses, durante a noite de 7 para 8 fizeram uma grande reunião para deliberar se deviam ficar ou levantar o cerco, tendo esta última opinião prevalecido. Domingo, 8 de maio, eles saíram de suas bastilhas com os prisioneiros que fizeram e se puseram em posição de batalha do lado da Beauce. De comum acordo com o Bastardo de Orléans, com os capitães e com os chefes de guerra, nossas tropas saíram e se colocaram em posição de batalha, na mesma ordem que as tropas inglesas. Eles não esperaram que nós os atacássemos.
            (...)Assim Orléans foi libertada em 8 de maio de 1429. Os ingleses perderam, em 3 dias, de  6000 à 8000 soldados.
            (...)Fizeram-me uma esplêndida recepção na corte. Gostaria de partir imediatamente para retirar os ingleses dos lugares que eles invadiram e levar o rei para Reims, onde ele deveria ser sagrado. Até então o sucesso sempre coroara minhas atividades bem como todas as minhas promessas se concretizaram; entretanto, o rei e seu conselho hesitavam ainda em ir para Reims. Essa dúvida era de certo modo justificada pela temeridade da empresa: seria preciso, para chegar até a capital de Champagne, então em poder dos inimigos, atravessar com forças pouco consideráveis um país repleto de ingleses.
            O rei reuniu vários conselhos em Tours; o resultado final dessas conferências foi o de convocar nobres e militares de todos as localidades. O comando dessas tropas foi entregue ao duque Jean d’Alençon, de comum acordo comigo. Tínhamos ordem de expulsar os ingleses que estavam nas margens do rio Loire.
            (...)Dirigimo-nos a Jargeau; pela tomada dessa cidade com a nossa campanha. Chegamos no sábado, dia 22 de maio de 1429, por volta de 1 hora da manhã e começamos logo o cerco.
            (...)Um dia, o duque de Alençon estava na cidade dando ordens; vim correndo lhe dizer:
            — Duque de Alençon, retire-se desse lugar onde o senhor está, ele será fatal para a senhor, pois aquela máquina, (mostrei-lhe com o dedo uma bombarda que estava sobre a muralha), o matará.
            Ninguém pode lhe negar nada, disse-me ele rindo, vamos  lá! é preciso obedecer.
            Tão logo ele saiu, uma bala inimiga atingiu e matou um cavalheiro de Anjou, que estava no mesmo lugar antes ocupado pelo duque. Quando ele soube que o outro morrera, prometeu sempre levar em conta os meus avisos, todas as vezes que eles se relacionassem tanto com ele.
            (...)Os canhões, que estavam posicionados há vários dias, tornaram a entrada praticável.
            Subi ao local e logrei fincar meu estandarte; os inimigos, porém, me cobriram de flechas, uma delas rasgou minha bandeira, despedaçou meu capacete e me fez cair no fosso. No mesma instante uma multidão de cavaleiros fez uma barreira com seus próprios corpos e me ajudou a levantar. Apareci imediatamente na entrada, diante dos olhos consternados
dos ingleses; a violência do golpe os fez acreditar que eu não os atormentaria mais sobre
essa terra. Gritei para meus soldados.
            — Coragem, companheiros! A cidade é nossa!
            Em verdade, pouco depois a invadimos. Havia nesse local 1200 lidados ingleses, dos quais 800 foram mortos, bem como Alexandre de la Poule, o mais novo dos irmãos de Suffolk; 400 foram feitos prisioneiros, dentre eles Guillaume e Jean de la Poule. Assim foi tomada a cidade de Jargeau em 30 de maio; essa cidade foi pilhada e a igreja, que possuía imensas riquezas, teve o mesmo destino.
            Depois, nos encaminhamos para a cidade de Orléans. Os franceses, esquecendo sua generosidade rotineira, massacraram, durante o caminho, todos os prisioneiros; foi com dificuldade que o duque de Alençon e eu podemos salvar a vida do duque de Suffolk e de outros grandes senhores.
            (...)Paramos na ponte de Meun, que os ingleses reformaram a fim de melhor se defenderem; contudo, após intenso combate que durou nada menos que um dia, nós os vencemos e impusemos nesse local uma guarnição nossa.
            (...)Vendo-nos, os ingleses abandonaram a cidade de Beaugency para se esconderem no castelo e sobre a ponte. Tomamos imediatamente conta da cidade, formando um cerco em volta do castelo e da ponte, ao lado do rio Beauce.
            (...)No sábado, 18 de junho, de madrugada, todos os ingleses, que eram em número de 500, partiram.
            (...)Perseguimos ferozmente os inimigos, que encontramos perto de Patay, num local chamado Cognées. O duque de Alençon me disse, assim que os viu:
            — Jeanne, eis os ingleses em posição de batalha; nos combaterão?
            Eu então lhe perguntei, sem responder sua pergunta:
            — O senhor tem boas esporas?
            — Como, interrompeu ele, recuando, precisamos fugir?
            — Não, respondi, é para persegui-los, pois logo os venceremos sem que tenhamos a lamentar muitas perdas.
            (...) Pouco tempo depois, os ingleses, que não tiveram tempo de se colocar em posição de batalha, foram inteiramente exterminados. Suas perdas foram avaliadas em 2200 soldados; outros 5000 foram feitos prisioneiros...
            (...)Os moradores de Yenville abriram imediatamente as portas da sua cidade, onde encontramos uma quantidade imensa de artilharia e de riquezas as mais diversas. Um francês fizera vários prisioneiros, um deles não podia segui-lo devido a um ferimento que recebera e que mal lhe permitia manter-se em pé. Seu condutor, não podendo fazê-lo andar mais rápido, bateu em sua cabeça com um toco de madeira, com tanta violência que o infeliz cativo caiu quase inanimado. Bastante indignada, saltei do meu cavalo, parei e puni o francês; corri até o inglês para tentar reanimá-lo, porém vendo que ele estava morrendo, chamei um padre, que o colocou em condições de comparecer diante do juiz supremo. Logo depois de seu último suspiro em meus braços, cobrindo-me de bênçãos. Dei ordem para que os prisioneiros fossem tratados com humanidade, ameaçando com penas severas, todos aqueles que no o fizessem.
            (...)Os inimigos abandonaram também os locais que tinham ocupado perto da Beauce e os deixaram em chamas. Dessa maneira a batalha de Patay encerrou gloriosamente nossa campanha.
            Toda a armada voltou no mesmo dia, 18 de junho, para Orléans. Os burgueses dessas cidades haviam forrado as paredes de ricas tapeçarias. Bandeiras, onde se lia o nome de Joana a Donzela, ou A nossa Libertadora, estavam presentes em todas as janelas; cúpulas e guirlandas de flores ocultavam o azul do céu de nossos olhos fascinados.
            (...)Charles, na véspera de minha chegada, que ocorreu no dia 20 de junho, presenteou-me com um esplêndido vestido de damasco branco, semeado de flores de lys em diamantes; uma leve armadura de mulher (eu só tinha armadura masculina), um capacete ornamentado com seis plumas brancas; uma echarpe, do mesmo tecido do vestido, e um fascinante puro sangue branco, ajaezado de veludo azul céu semeado de flores de lys em ouro.
            (...)Nada mais parecia se opor à nossa ida a Reims quando nova dificuldade surgiu: tratava-se do condestável, que La Trémoülle queria despoticamente excluir da viagem.
            Realizamos conselhos, cujo resultado foi que Richement não acompanharia o rei até Reims e que, durante esse tempo, ele iria percorrer, com os seus homens, Orléans e Le Maine, para impedir o ataque dos ingleses a essas províncias. Todos os obstáculos foram eliminados, e nos colocamos a caminho. (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Cap. 2. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
Auxerre (cidade, a sudoeste de Paris) recusou-se a abrir suas portas ao rei; lembrando ainda de seus malfadados conselhos.
            (...) Dirigimo-nos então para Troyes, que agiu como Auxerre. O rei mandou avisar aos moradores que eles deveriam se render, o que recusaram, como já disse antes. Alguns dias após, enviei-lhes uma carta assim concebida:
            ―Caros e bons amigos, senhores, burgueses e moradores de Troyes. Jeanne, a Donzela vos convoca, a mando do Rei do céu, seu soberano senhor, ao serviço do qual ela se empenha cada dia, a obedecer e a reconhecer o rei da França, que estará brevemente, com a ajuda do Rei Jesus, em posse de Reims, de Paris e de todas as suas boas cidades, esperando que façam seus inimigos.
            Leais franceses, compareçam diante do rei Charles, sem que nenhum de nos falte, para honrá-lo com suas presenças e seus bens...
            (...)Essa carta foi lida publicamente e os moradores enviaram cópias para algumas pessoas em Reims. Essa cidade, nessa época, estava excessivamente fortificada; a guarnição, formada pela elite de soldados ingleses e ―bourguignons, era composta por 600 militares. Quanto a nós, não tínhamos nem víveres nem artilharia.
            (...)Nesse ínterim, os três santos me apareceram, indicaram o caminho a seguir e me asseguraram da rendição de Troyes em menos de cinco dias. Quando apareci diante do rei, e após ter explicado tudo, perguntei se as pessoas me dariam crédito. Ele me respondeu que não sabia, caso o que eu dissesse fosse razoável ele me acreditaria de bom grado. Perguntei-lhe mais uma vez a mesma coisa, ele me respondeu com as mesmas palavras que acabara de pronunciar. Então eu lhe disse:
            — Senhor, em menos de três dias a cidade se submeterá às suas ordens, caso o senhor deseje permanecer aqui durante alguns dias.
            O chanceler me interrompeu dizendo:
            — Jeanne, nos sentiríamos felizes em invadir até mesmo seis cidades, contudo, não acredito em suas palavras.
            Todos então se puseram a me fazer mil objeções. Reiterei minha promessa, bastante sentida vendo que ninguém acreditava em mim, e saí imediatamente. Vendo-me voltar mal humorada, meu escudeiro disse:
            — Vamos, senhora. Jeanne, vejo que não acreditaram na senhora.
            Não respondi nada e fui para minha tenda.
            Após minha saída, recomeçaram a apresentar no conselho: que a fome estava espalhada na tropa real; que estávamos diante de Troyes há cinco ou seis dias, durante os quais a poderosa escaramuça que acontecera provara que os ingleses estavam resolvidos a se defenderem; que nós não tínhamos nem artilharia nem material necessário para empreender o cerco e, finalmente, que só poderíamos receber socorro da cidade de Gien, localizada a trinta léguas desse local.
            Um antigo conselheiro do rei, chamado Robert le Masson, senhor de Tréves, levantou-se e disse que nós empreendêramos essa viagem graças a mim; que sempre estivemos protegidos seguindo meus conselhos, que ele achava que a melhor coisa a fazer seria, uma vez mais, seguir meus conselhos. Sua opinião prevaleceu.
            Assim que soube do resultado, montei a cavalo, estandarte à mão, para começar os preparativos para a tentativa da tomada da cidade, todos prontos para fazê-lo e sob o meu comando. Os moradores da cidade e meus soldados viram, em torno de mim e de meu estandarte, inúmeras borboletas brancas que esvoaçavam fazendo, segundo eles, ressoar no ar maravilhosos concertos que não tive a graça de ouvir.
            (...)Entrei às 8 horas em Troyes; posicionei os arqueiros ao longo das ruas por onde o rei deveria passar. Charles entrou às 9 horas, acompanhado por senhores e chefes militares, com grande pompa.
            (...)Assim Que os dois comandantes souberam da rendição de Troyes e  de Châlons, reuniram os homens eminentes da cidade e lhes perguntaram se sentiam a firme vontade de se defenderem.
            — Vocês são fortes o bastante para nos ajudar? perguntaram os moradores.
            — Não, responderam os comandantes, mas se vocês puderem aguentar durante seis semanas, nós traremos grandes reforços da parte do duque de Bedford ou do duque da Bourgogne.
            Com o consentimento desses moradores, eles foram, aparentemente, buscar Socorro.
            Quando saíram, os homens eminentes da cidade disseram que seria necessário se submeterem ao rei; o povo aplaudiu entusiasmado essa proposta; ficou decidido então que os nobres, os clérigos e leigos seriam delegados para apresentar a chave da cidade ao rei.
            O arcebispo entrou na cidade no sábado, 16 de julho, pela manhã, eu só cheguei à noite com o rei e os nobres. Os duques de Bar e de Lorraine, bem como o donzel de Commercy vieram, acompanhados por vários militares, oferecer seus serviços a Charles.
            Ficou estabelecido que o rei seria sagrado no dia seguinte, domingo, 17 de julho.
            (...)Os pares eclesiásticos foram: o arcebispo de Reims e os bispos de Châlons, de Orléans, de Séez, de Troyes e Bourges. Segundo a tradição eles mostraram o rei ao povo declarando:
            — Eis aqui, vosso rei que nós, pares da França, coroamos rei e soberano senhor; caso haja dentre vós alguém que a isso se oponha, aqui estamos para fazer justiça, caso contrário, Charles, aqui presente, filho legítimo do rei Charles, de boa memória, será consagrado amanhã pela graça do Espírito Santo. O povo então gritou: Noël! aclamação que nessa circunstância, marcava seu consentimento e sua alegria.
            No dia seguinte, antes mesmo da aurora, escrevi para o duque de Bourgogne:
            ―Destacado e temido príncipe, duque de Bourgogne, Jeanne, a Donzela, vos convoca, por parte do Rei do céu, nosso justo e soberano senhor, a fazer com o rei da França uma boa e sincera paz, que dure muito tempo. Perdoem-se um ao outro, do fundo do coração e totalmente, como devem fazer os verdadeiros cristãos, e se vos agrada fazer guerra, ide atacar os Sarracenos.
            Príncipe da Bourgogne, eu vos peço, suplico e convoco, tão humildemente quanto possível, para não mais guerrear contra o reino da França, faça retirar sem demora vossos homens que estão nas cidades e fortalezas do reino da França...
            (...)Eu assistia, com meu estandarte à mão, ocupando lugar de honra, a todas as cerimônias habituais da sagração. Quando elas acabaram, joguei-me aos pés do rei e supliquei-lhe que me permitisse voltar a Domremy com meu pai, minha mãe e meus parentes, que tinham vindo me ver em Reims; ele me levantou com bondade, mas não disse nada de positivo.
            Após a cerimônia, voltei para a casa de minha anfitriã, que me demonstrou grande afeição.
            — Vamos, Jeanne, minha amiga, disse-me ela, eis um belo dia para a senhora e para nós. Acredito que a senhora gostaria de comer um pouquinho, de toda forma, eu já preparei o jantar.
            Após o jantar, fui para meu quarto, mas qual não foi minha surpresa quando o vi inundado por uma luz pura, tão bela que só posso compará-la com esta luminosidade que me envolve atualmente. Senti que estava liberada do meu envoltório terrestre; vi, nesse momento, os três santos, que me disseram:
            — Jeanne, tu realizaste a missão que Deus te confiou.Volta para Domremy para buscar, no seio da tua família e de uma feliz obscuridade, uma felicidade que tu só encontrarás nesse lugar.
            Quando não os vi mais, deixei-me cair sobre uma cadeira, profundamente desencorajada, sabia que o rei não me deixaria sair pois só minha presença tornava seus soldados invencíveis, e por essa mesma razão eles também se julgam invencíveis.
            (...)Porém, qual no foi minha surpresa, quando, ao voltar para casa, revi os três santos que me aguardavam. Sainte-Catherine, que eu sentia como se fosse minha protetora particular, disse-me com tristeza:
            — A audiência que tu vais ter com o rei (ele me dissera para ir vê-lo na manhã seguinte), terá para ti as consequências mais funestas, caso não sigas nossos conselhos.
            O rei concebeu por ti uma paixão criminosa que é necessário que tu recuses. Ela é tão pouco duradoura que tua ausência a faz eclipsar-se. Quanto às suas intenções, ele poderá te enganar. Lembra-te que o título de moça virtuosa é mais nobre e mais digno de desejo que o de amante de um rei.
            Eles desapareceram em seguida. O que ela me dissera era verdadeiro; o rei insinuou sutilmente uma promessa de casamento tão ilusória como é de praxe em tais circunstâncias. Rejeitei suas propostas, indignada, saí furiosa por só ter despertado em seu coração sentimentos tão culposos, ao invés de estima e de amizade aos quais meus serviços me teriam permitido pretender.
            (...)Na véspera de nossa partida de Senlis, o rei reuniu o conselho para deliberar sobre o que deveríamos fazer. A maioria dos conselheiros votou pelo ataque de Paris. Ficou decidido que iríamos a Saint-Denis pra ali nos preparar.
            O rei distribuiu a tropa em três lugares: Montmart, Aubervilliers e La Chapelle, um vilarejo a meio caminho entre Paris e Saint-Denis. Eu fiquei nesse último local com os duques de Alençon e de Bourbon, os condes de Vendôme e de Laval, os senhores de Retz e de Boussac e outros, pois a lista é bem grande.
            Os generais, baseados em falsos relatórios, esperavam que tentando invadir a capital nós colocaríamos os moradores a nosso favor.  Marcaram o ataque para domingo, 8 de setembro, o dia do nascimento de Nossa Senhora.
            (...)Nós acreditávamos, como mencionei anteriormente, que os homens do rei sublevariam o povo no momento do ataque, morta essa esperança, falou-se em retirada, Acostumada a vencer, recusei-me, obstinadamente, a me retirar. Eu gritava para que levassem feixes de lenha para cobrir os fossos, dos quais eu ignorava totalmente a profundidade, a fim de podermos alcançar o muro; de repente uma seta me atingiu na coxa. Obrigada pela dor e pelo sangue que estava perdendo, retirei-me e fui me deitar atrás de uma pequena elevação.
            (...)Fiquei onde estava durante muito tempo, quase sozinha, sem que ninguém se preocupasse comigo. A noite caíra e, não me vendo voltar, o duque de Alençon ordenou que fossem me buscar, eu não queria me retirar de modo algum. O duque veio me falar do perigo que eu corria e me conduziu pessoalmente, com toda nossa tropa até La Chapelle.
            No dia seguinte fui com o duque de Alençon a Saint-Denis , onde o rei se encontrava. (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Cap. 3. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            Em Saint-Denis, vi militares e uma moça que davam vazão a excessos. Tomada de indignação contra essa infeliz, expulsei-a do campo, batendo nela e nos seus companheiros com o dorso da minha espada. Desde o incidente de Patay, tomara o cuidado de me munir, para essas ocasiões, de um cassetete que era mais apropriado para essa finalidade, mas, dessa vez, não tive tempo de ir procurá-lo e quebrei em dois pedaços a minha querida espada de Sainte-Catherine de Fierbois. O rei a enviou a um especialista em armas que nada pode fazer. Essa perda muito me afligiu e entendi ver a mão de Deus nesse aviso. Esse pensamento, e o abandono em que me encontrava, levaram-me a pedir novamente permissão para me retirar.
            (...) Desde o cumprimento de minha missão, quando necessitava conversar com os santos, punha-me em prece, logo eles me apareciam ou falavam comigo. Suas aparições eram cada vez mais constantes e eles sempre pediam para que me afastasse do rei. Sempre em vão.
            Ofereci minhas roupas de guerra aos religiosos de Saint-Denis, que com elas ergueram um monumento diante do relicário do apóstolo do França.
            (...)Jean Dolon que, (...) tinha sido especialmente incumbido pelo rei, assim como Louis de Comtes, de me proteger, veio pedir que eu retornasse ao acampamento.
            Eu estava com seis militares ao meu redor, que não queriam me abandonar, repliquei que não deixaria meu posto sem ter terminado a conquista. Jean, então, foi levar essa notícia ao acampamento, onde ela inflamou as tropas com uma coragem renovada, seja excitando seus brios, seja fazendo-os temer a repreensão por terem me abandonado. Os inimigos não esperavam esse segundo ataque e tomamos a cidade, após uma fraca resistência. Os capitães que me acompanhavam queriam atacar Charité-sur-Loire (cidade localizada no departamento de Nièvre) . Fui com eles mas fracassamos totalmente.
            Os ingleses da guarnição de Melun, tinham se ausentado para ir pilhar as cidades vizinhas. Ao voltarem, encontrando as portas trancadas, foram para Corbeil, e, chamando, para ajudá-los as guarnições das vilas próximas, se apresentaram diante das muralhas de Melun. Fui a essa e para defendê-la e ajudei Jean Foucault, e outros capitães que lá se encontravam, a expulsar os ingleses. Eu estava sobre o fosso quando as santas apareceram e disseram:
            — Jeanne, antes de Saint-Jean, cairás em poder dos teus inimigos; mas, te submete à vontade de Deus, ele te ajudará nas provas que te aguardam.
            Supliquei-lhes que obtivessem de Deus a permissão para que eu morresse antes de cair em poder dos ingleses, para evitar os tormentos de uma longa prisão; elas responderam apenas:
            — Tem paciência; Deus te ajudará.
            Elas me reiteravam, quase todos os dias, esse aviso; porém, não contei nada a ninguém para não desencorajar os homens fiéis ao rei e me resignei.
            (...)A tomada de Compiègne era de grande importância para os ingleses. O duque de Bourgogne tomou todas as medidas para que a cidade fosse cercada por todos os lados ao mesmo tempo. Apesar do mistério que envolvia essas decisões, nós fomos avisados e entrei nessa cidade junto com Xaintrailles.
            Os ingleses chegaram logo.
            (...)Contando em tirar proveito da desordem inseparável de uma chegada, fiz uma saída à frente de 600 homens e fui atacar Marigny , local onde se encontravam Luxembourg e outros generais. Combatemos inicialmente com vantagem, porém as tropas inglesas vieram socorrer Baudo de Noailles. Pensamos em retirada, Como sempre eu formava a retaguarda; às vezes vinha para a linha de frente e os inimigos fugiam aterrorizados.
            Chegando próximo à barreira, encontrei-a fechada e um arqueiro inglês, mais forte que os outros, me segurou e puxou do cavalo. Imediatamente Lyonnel, o Bastardo de Vendôme, correu em minha direção; sem condições para me defender, rendi-me a ele.
            (...)Todos os franceses voltaram para Compiègne lamentando sua derrota e a minha prisão. Os inimigos tiveram mais alegria do que ganho nessa batalha em razão da minha reputação de bruxa, amplamente divulgada entre eles. Os soldados se abraçavam e se parabenizavam por tão bela captura.
            Enquanto isso, Lyonnel, brutalmente, me desarmava e conduzia a Marigny, onde confiou minha guarda a um número enorme de militares. Não era preciso tanto; cercada por um batalhão, eu não poderia escapar facilmente. É bem verdade que ele queria também me proteger da fúria de seus soldados, que teriam me cortado em pedacinhos.
            Os militares vinham de todas as partes para me ver, não ficaram encantados comigo, eu não estava bonita nessa época; eu havia cortado os cabelos após o cerco de Orléans, e, desde então, usava-os arredondados na altura dos ombros, como todos os homens da época, e quando eu não passasse ao menos quinze minutos penteando-os, eles caíam tão desgraciosamente sobre minhas costas que eu parecia quase uma louca. Nesse dia eu usava sob minha armadura uma túnica de veludo vermelho.
            O duque de Bourgogne veio me ver e falou durante muito tempo sobre diferentes assuntos; depois retirou-se com seus homens.
            Lyonnel entregou-me imediatamente a Jean de Luxembourg, conde de Ligny, mediante um pagamento.
            Dois dias após minha prisão, quinta-feira, 25 de maio de 1430, Louis de Luxembourg, bispo de Thérouanne, chanceler da França para o rei da Inglaterra, recebeu carta de seu irmão, o conde de Ligny, informando que eu era sua prisioneira. O bispo, muito contente, fez celebrar um ―Te Deum à Nossa Senhora. Foram enviadas cartas a todas as cidades sob o comando inglês notificando-os sobre minha detenção.
            (...)Pouco tempo depois, Jean de Luxembourg enviou-me ao castelo de Beaulieu.
            Assim que fiquei sozinha em minha prisão, caí sobre a cadeira e chorei convulsivamente. Logo a cela inundou-se de luz; levantei a cabeça, que estava entre minhas mãos, e vi Sainte-Catherine que me fitava com seu doce sorriso;ela segurou afetuosamente minha mão direita e disse:
            — Jeanne, tem coragem, Deus te ajudará.
            Escutando-a ajoelhei-me e beijei seus pés num gesto de respeito (esqueci de dizer que sempre fazia isso, cada vez que via um de meus celestes protetores) e perguntei se seria libertada. Ela me disse que eu seria através de uma grande vitória. Em seguida disse-me para sofrer meu martírio pacientemente e me submeter totalmente à vontade de Deus, assegurando-me que se agisse assim, iria com ela para o paraíso. Desapareceu logo após, repetindo:
            — Jeanne, tem coragem, Deus te ajudará.
            Quando não a vi mais, ajoelhei-me para agradecer a Deus a certeza de que ele me deu de minha próxima libertação; não entendendo essa predição, bem clara entretanto, estava persuadida de que seria logo posta em liberdade, ainda que fosse necessário um milagre para tal realização. Minha ignorância em relação ao meu destino era uma prova real da bondade divina; caso eu previsse minha morte, minha coragem me abandonaria e eu teria vivido durante os poucos meses que me restavam, angústias inenarráveis.
            (...)Um forte desejo me fazia esquecer um pouco de minhas penas e medos: recuperar a liberdade. Minha ardente imaginação não tardou em me fornecer os meios: uma parede de madeira, com tábuas mal unidas, separava-me de uma passagem pouco freqüentada, que dava para o bosque. Ao cabo de muito esforço consegui separar algumas tábuas menores. Era a hora em que o guarda trazia minha refeição cotidiana, que consistia em um pouco de água e pão ―bis. Recoloquei as tábuas no lugar para que ele nada percebesse e resolvi esperar a noite para tentar escapar. Chegado o momento to desejado, preparava-me para deixar o quarto em que estava presa, rezava a Deus para abençoar minha ação, quando minhas duas celestes protetoras apareceram:
            — Jeanne que vais fazer? É preciso que vejas o rei dos ingleses.
            Elas logo desapareceram sem deixar tempo para lhes fazer a mínima objeção.
            Continuei minha ação sem me preocupar com a honra de ver o infante-rei. A abertura que eu tinha feito era estreita; mas como eu tinha o corpo fino e estava muito magra, consegui sem grande esforço atravessar a porta de saída que, felizmente, estava fechada com um trinco que dava para meu lado. Eu me preparava para fechar a porta, fechando assim os guardas da torre, quando Deus enviou, desse mesmo lado, o porteiro do castelo. Esse homem, bastante surpreso, me perguntou o que eu fazia naquele local.
            Sem lhe responder, tentei escapar, correndo com toda energia para o campo, mas ele me reteve pelo braço e deu o alarme. Vieram em seu socorro e apesar de meus esforços, obrigaram-me a voltar para a prisão.
            (...) Antes mesmo que o conde de Ligny soubesse dessa tentativa de evasão, ele já decidira me enviar para o castelo de Beaurevoir, na Picardie, situado a 4 léguas ao sul de Cambrai.
            (...)Madame de Beaurevoir, sua esposa, e madame de Luxembourg, sua irmã, encontravam-se nesse local. Elas me receberam como se fosse uma irmã querida. Assim que cheguei, tomei um banho, deram-me roupas novas e levaram-me ao quarto que me serviria de prisão.
            (...)De vez em quando, elas me pediam (com grande sutileza para não me magoarem), que eu usasse roupas femininas, sabendo que essa era a principal acusação e mesmo a única que existia contra mim. Porém, minhas protetoras, cuja solicitude não fora desmentida em momento algum, impediram-me de atender a tal pedido.
            (...)Durante os 4 meses de minha estada em Beaurevoir, desfrutei de todos os consolos que não eram incompatíveis com minha situação de prisioneira de guerra.
Pierre Cauchon, bispo de Beauvais, era o inimigo mortal de Charles VII e dos ―armagnacs, nome dado aos monarquistas.
            (...)Ele escreveu ao rei da Inglaterra e tudo fez para que eu fosse citada em seu tribunal.
            A Universidade de Paris, inteiramente dedicada aos ingleses, não deixou escapar essa oportunidade de mostrar seu zelo; escreveu várias vezes ao Duque da Bourgogne para que ele me encaminhasse à Inquisição para ser julgada por ela, como tendo usado de magia e sortilégio.
            (...)A atitude da Universidade e principalmente a opinião transmitida de que todo Cristão era obrigado a obedecer à Inquisição e ao bispo de Beauvais, no que me dizia respeito, levaram este último a se aliar com o conde de Ligny, o duque de Bourgogne e o rei da Inglaterra. O conselho real consentiu em pagar aos dois primeiros meu resgate contanto que eles me colocassem em suas mãos.
            O bispo escreveu também, em seu próprio nome ao duque de Borgogne e a Jean de Luxembourg. Talvez seja útil transcrever essa carta curiosa:
            ―Eis o que participa o bispo de Beauvais a monsenhor duque de Bourgogne, a monsenhor Jean de Luxembourg e ao Bastardo de Vendôme, em nome do rei, nosso mestre, e em nome do duque de Beauvais. Que uma certa prisioneira, chamada Jeanne, a Donzela, seja enviada para que ele a entregue à Igreja, que deve lhe fazer seu processo, como sendo suspeita de ter cometido vários os crimes, sortilégios, idolatrias, invocações de demônios e outras coisas a respeito de nossa santa fé e contra ela.
            (...) A notícia de que eu fora vendida aos ingleses acabou por me perturbar totalmente.
            (...)Minhas santas protetoras tentaram, em vão, acalmar minha exaltação. Uma única saída me restava, também, temerária: jogar-me do alto da torre onde estava prisioneira. Ela tinha cem pés de altura, entretanto eu não pensava que pudesse me matar ou me ferir. A execução desse projeto era difícil para mim, visto como eu estava. Saint-Michel, Sainte-Marguerite e Sainte-Catherine, particularmente, fizeram todo o possível para me dissuadir dessa idéia.
            Sainte-Catherine dizia quase todos os dias que eu não saltasse, que Deus me ajudaria assim como às pessoas de Compiègne. Eu lhe respondi que, já que Deus lhes viria em ajuda eu queria lá estar.
            — Jeanne, repetiu ela, é preciso que tu suportes pacientemente o que ocorrerá; tu não serás libertada antes que vejas o infante da Inglaterra.
            — Verdade? Respondi, eu não quero vê-lo, nem ser posta em mãos dos ingleses.
            Assim que o momento propício chegou, eu me recomendei a Deus e a Nossa Senhora, fechei os olhos e me atirei. Primeiro senti que atravessava o espaço rapidamente; depois pareceu que minha corrida ia diminuindo, como se braços tivessem me segurado. Contudo, quando toquei a terra, minha cabeça chocou-se fortemente contra uma pedra e, com a dor que senti, eu desmaiei.
            Os guardas correram; como me viram sem movimentos pensaram que eu estava morta. Logo voltei a mim e perguntei o que acontecera, surpresa de estar lá. Disseram que eu me jogara da torre e perdera a consciência do que se passara.
            Enquanto me desesperava por estar impossibilitada de correr em socorro dos habitantes de Compiègne, escutei a voz de Sainte-Catherine que me dizia:
            — Jeanne tem coragem! Tu vais te curar e os de Compiègne serão salvos.
            Essa promessa, porém, não me convenceu do destino dos habitantes desta fiel cidade; estava tão triste com minha impotência que passei três dias sem tocar na comida.
            (...)Levaram-me para Arras, local onde os oficiais nomeados pelo Conselho do infante rei deveriam vir me buscar, e logo me conduziram ao castelo de Crotoy, na Picardie.
            Nesse local fui tratada com mais rigor e em Beaurevoir, porém, a amizade também ali me consolou: um sacerdote segundo Deus, homem pleno de virtudes e de mérito, estava preso na mesma prisão que eu, era Nicolas Quenville, chanceler da igreja Amiens, doutor em Direito Canônico e Civil.
            (...)Os santos me apareciam sempre, principalmente Saint-Michel.  Ele fizera várias previsões sobre a França e eu repeti para Charles VII aquelas que se relacionavam particularmente com ele; todas logo se realizaram. Os santos me fizeram grandes  revelações sobre o duque Charles de Orléans, prisioneiro da Inglaterra na época, disseram, entre outras coisas, que seu filho único, que nasceu alguns anos depois de minha morte, subiria ao trono após o neto de Charles VII, e que sua memória seria querida e venerada entre os franceses.
            (...)Enquanto eu definhava, resignada, numa triste prisão, as promessas de meus celestes protetores tinham se realizado: os franceses obtiveram algumas vitórias e Compiègne fora liberada; Gournay-sur-Aronde, Pont-Sainte-Maxence, Longueuil, e outras cidades, estavam novamente sob o domínio francês. Meus inimigos me esconderam cuidadosamente essas notícias, mas os santos tudo me revelaram e tive tanta felicidade como se tivessem anunciado minha liberdade.
            (...) Novos problemas vieram agravar minha situação, aumentando o terror e superstição dos inimigos.
            Pensaram em me transferir para Rouen, onde se encontravam o infante e seu conselho. Durante nossa viagem de Crotoy à capital da Normandie, fizemos algumas paradas. Na última, enquanto me preparava para montar a cavalo, um inglês que estava perto de mim, achando que eu subia muito lentamente, deu-me um golpe com a sua lança nas partes do corpo que se apoiam sobre a sela. Apesar de não ser muito profunda, a ferida causou dores intoleráveis.
            Encerram-me na grande torre do castelo de Rouen. Fizeram para mim uma espécie de gaiola de ferro, na qual fui presa. Eu estava muito apertada; tinha uma corrente muito grossa no pescoço, uma na cintura, outra nos pés e duas nas mãos. Teria sucumbido a essa terrível angústia se Deus e minhas santas protetoras não tivessem me consolado. O anjo Gabriel, o mesmo que anunciou à Virgem Mãe sua divina missão, veio me visitar várias vezes. Nada pode descrever sua sincera solicitude e as inestimáveis consolações que me deu. Morrendo de fome, semivestida, cercada de imundícies e feridas pelas correntes, eu buscava na religião a coragem para perdoar meus carrascos.
            (...)Cinco ingleses escolhidos no meio do populacho ficaram de me vigiar. Três dormiam no meu quarto e os outros dois vigiavam a porta. Eles me cobriam de injúrias as mais grosseiras; divertiam-se em me acordar no meio da noite dizendo que iria morrer e que vinham me buscar para a fogueira.
            (...)Era extremamente casta, mas essa virtude foi para mim fonte de tormentos; os guardas, sabendo que sempre fui contra os maus costumes, se divertiam em cantar músicas obscenas e em fazer propostas indecentes. Não satisfeitos com as palavras, tentaram várias vezes me violentar; faziam isso tanto por eles quanto para satisfazer o bispo que lhes prometera uma boa recompensa se eles conseguissem tirar minha virgindade. Caso tivessem êxito, Cauchon poderia facilmente condenar-me como bruxa. (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Cap. 4. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            Meu processo custou muito dinheiro aos ingleses; além da soma enorme que eles deram para me obter, eles pagaram todas as despesas do processo e deram também gratificações consideráveis a todos que os ajudaram.
            (...)As cartas patentes do infante-rei apareceram logo; o conselho autorizava em seu nome, que eu fosse a julgamento. Concedendo ao bispo de Beauvais a faculdade de instruir, conjuntamente com a Inquisição, deixando entender que me liberavam para a justiça eclesiástica com certa repugnância, e o conselho se reservava, sempre em nome do jovem Henri, de me devolver, caso eu não fosse condenada à morte; não havia desde então, para mim, nenhuma chance de salvação.
            (...)o bispo leu o processo verbal da assembléia precedente e comunicou em seguida aos conselheiros ou juízes assessores as informações que obtivera sobre mim, tanto em Domremy quanto em Vaucouleurs e em outros locais que eu tinha frequentado.
            Disseram-lhe que eu era boa moça, casta, modesta, paciente, moderada, prudente, muito meiga, trabalhadeira, temente a Deus e que gostava de cuidar dos pobres doentes; que era bem educada segundo meu meio, tinha bons costumes, uma conversa honesta e pacífica, que nunca praguejava, que obedecia a meus pais e que procurava a amizade das senhoras e moças mais virtuosas; que quando terminava os trabalhos da casa — que haviam me ocupado desde a idade da discrição até a época em que deixei o país — ao invés de andar sem rumo pelas ruas ou ir dançar com as outras jovens eu ia me ajoelhar na igreja para rezar com recolhimento e fervor; que era tão tímida que qualquer palavra me desconcertava; tão caridosa que muitas vezes dividia meu pão com os pobres...
            (...)Não havia, em tudo que foi apurado, nada de repreensível...
            (...)O bispo se achava numa tremenda dificuldade: ele não queria obter novas  informações nem recolher os boatos que se espalhavam sobre mim, uns e outros me eram favoráveis. Ele tinha a intenção de se servir do depoimento de Bailly para me fazer perguntas capciosas, mas, para conseguir seu objetivo, era preciso que ele tivesse algumas informações que pudesse confirmar orgulhosamente.
            (...)Trouxeram dois padres, Guillaume Manchon e Guillaume Colics, conhecidos como Boys-Guillaume, encarregados de escrever o que escutassem.
            Explicaram aos dois, previamente, que queriam estar certos de minhas mentiras pela minha própria boca, e que, por essa razão, Nicolas l’Oyseleur devia se introduzir na prisão, vestido com roupa curta, fingindo ser ―armagnac, nascido em Domremy e prisioneiro de guerra, a fim de me fazer falar.
            Pouco antes de sua chegada, Sainte-Catherine e Sainte-Marguerite me apareceram:
            — Jeanne, disse Sainte-Marguerite, atenção com as tuas palavras, não confia na pessoa que vai chegar pois a serpente esconde seu veneno sob as flores.
            (...)Ele deu notícias de minha família, amigos, negócios da França, todas falsas.
            Conseguiu, sem dificuldade, ganhar minha confia e encaminhou a conversa para as visões; e eu contei-lhe ludo, exceto o segredo do rei e as revelações que as vozes me proibiram de repetir. Ele fingiu acreditar e falou durante muito tempo sobre a bondade de Deus.
            (...)A capela real de Saint-Romain, situada no castelo de Rouen, foi o primeiro teatro de meus interrogatórios.
            (...)Eis a narração da execução dessa ordem dirigida a Jean Massieu, bispo de Beauvais:
            (...)Que vossa reverenda paternidade saiba que, em virtude de vossa ordem a mim apresentada, a qual esta minha narração é anexada, já citei peremptoriamente diante dos senhores, na capela real do castelo de Rouen, pelo dia de quarta-feira, vigésimo primeiro do presente mês de fevereiro, as oito horas da manhã, certa mulher vulgarmente chamada a Donzela, por mim pessoalmente apreendida dentro dos limites do referido castelo de Rouen, a qual é tida, veementemente por suspeita de heresia, para que ela responda a verdade, etc., com a intimação contida em vossas referidas cartas.
            A tal Jeanne em questão me disse que, voluntariamente, compareceria e responderia
a verdade sobre todas as questões que lhe fossem feitas, mas que ela pedia que, para esse caso, os senhores fizessem a gentileza de convocar os eclesiásticos da França do mesmo modo que os da Inglaterra e, além disso; ela suplica à vossa reverenda paternidade, permissão para que amanhã, antes de comparecer diante de vossa reverenda paternidade, ela pudesse assistir a missa e eu declarasse isso ao senhor o que acabei de fazer...
            (...)Após a leitura desses atos, o promotor pediu imediatamente que eu entrasse no tribunal, como eu havia sido citada a fazer, a fim de responder a algumas questões concernentes à fé. Após a resposta afirmativa do bispo, Jean Massieu saiu e veio me buscar; eu estava pronta há algum tempo. Quando me viu, Cauchon expôs a assembleia que eu pedira várias vezes para assistir à santa missa, mas que ele achava que não poderia me conceder esse favor, visto os crimes dos quais me acusavam e também pela deformidade das roupas que eu persistia em usar, apesar das exortações amigas que foram feitas diversas vezes. Ele ia abordar o pedido que eu fizera para ter juízes do partido francês, quando eu entrei com Massieu. Ele temia ser obrigado a aceitar esse justo pedido, desse modo deixou esse assunto de lado.
            Recomeçou com um grande discurso, no qual recapitulou tudo o que se passou desde a minha prisão. Ele me falava com uma afetada doçura que, porém, não me enganava; começou pedindo-me para jurar, sobre o Evangelho, que eu diria a verdade sobre todas as coisas que me perguntasse.
            — Não sei o que senhor vai me perguntar; talvez o senhor me faça perguntas as quais não poderei responder.
            — A senhora jura dizer a verdade sobre o que lhe será perguntado, em relação à fé.
            Dirá o que sabe?
            Não deixei tempo para ele falar mais.
            — Sobre meu pai, minha mãe e sobre o que fiz na França desde minha chegada, juro de bom grado. Quanto às minhas revelações e a certos fatos, não os disse nunca e não direi jamais. Só se for ao meu rei, ainda que me cortem a cabeça. Meu conselho, ou seja minhas vozes me proibiram de os revelar, entretanto, daqui a 8 dias, poderei lhes pedir permissão para tal.
            Ele me fez várias perguntas, todas iguais no fundo, mas que ele modificava na forma para tentar me enganar. Eu lhe repelia, as mesmas respostas com tal firmeza que ele então mudava de pergunta.
            (...) Cauchon continuou me interrogando:
            — Qual o seu nome, apelido e sobrenome?
            — Chamavam-me Jeannette, na minha região, e Jeanne desde que entrei na França; sobre meus apelidos não sei o que senhor fala.
            — Não seria o de donzela?
            — Sim.
            — A senhora passa por virgem, no espírito dos ―armagnacs; a senhora o é realmente?
            — Sim.
            (...)— Onde a senhora nasceu?
            — Na cidade de Domremy, dependência de Greux, onde está a igreja principal.
            — Qual o nome de seus pais?
            — Meu pai se chama Jacques d’Arc e minha mãe Isabeau.
            — Como cuidam eles dos deveres religiosos?
            — Como todos os bons cristãos são chamados a fazer.
            — Eles usam mandrágoras? (Obs.: planta muito usada em feitiçaria na Antiguidade e na Idade Média)
            — Não, isso é coisa do diabo.
            — Como a senhora foi educada?
            — No temor a Deus e no amor ao próximo.
            (...)— Qual é a sua idade?
            — Dezenove anos, eu creio.
            — O que sabe sobre sua religião?
            — Minha mãe me ensinou o Pai Nosso e o Credo; foi som dela que recebi tudo o que sei sobre crença... (3 - Continua o interrogatório...) (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Cap. 5. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            (...)Nessa primeira sessão, interrogaram-me sobre as aparições o que não foi feito pelo bispo, mas pelos doutores. Como todos falavam ao mesmo tempo e cada um fazia uma pergunta diferente, não respondi a nenhuma, deixei-os discutir sobre a importância de cada pergunta e decidirem qual eu deveria responder primeiro; cada um escolhia a sua.
            O bispo, que não tinha a intenção de me interrogar, nesse dia, sobre esse tema, pediu silêncio, e só com grande dificuldade conseguiu acabar com o tumulto.
            (...)A duquesa de Bedford foi encarregada de designar as parteiras que me examinariam, de receber seu relatório e de se ocupar de tudo. Foram escolhidas três examinadoras: Anne e Jeanne Bavon, em seguida Clarisse Jacquemine.
            (...) Eis o relatório das parteiras:
            (...) após um judicioso exame, na presença de Deus, de sua bendita mãe, a muito Santa Virgem Maria, e de todos os santos e santas do paraíso, as já citadas Anne Bavon, Jeanne Bavon e Clarisse Jacquemine, declaram que a chamada Jeanne, conhecida como a Donzela, é virgem e inteira, pura de toda a sujeira e de corrupções.
            (...)Pouco antes das 8 horas, I`Oyseleur vela me ver:
            — Jeanne, nosso reverendo pai, o bispo, vai interrogá-la sobre as aparições, o que a senhora dirá?
            — As santas me disseram para falar sem temor.
            (...)Ele saía quando Jean Massieu chegou para me levar ao tribunal. Assim que entrei, o bispo me intimou a fazer o juramento de dizer a verdade sobre tudo.
            — Já prestei juramento ontem; isso deve bastar.
            — Eu vos peço para fazê-lo; ninguém, nem mesmo um príncipe, pode se recusar a prestar um juramento requerido em matéria de fé.
            Foi preciso ceder e pronunciei meu juramento nos mesmos termos que na véspera.
            (...)E às diversas perguntas que me fizeram eu respondi:
            — Com a idade de 13 anos escutei uma voz de Deus dizendo que me ajudaria a
conduzir minha vida. Na primeira vez fui tomada de pavor.
            — Onde, quando e a que horas a senhora escutou essas vozes?
            — No jardim da casa de meu pai, no verão, por volta de meio dia.
            — A senhora havia jejuado na véspera?
            — Não.
            — De que lado veio a voz?
            — Do lado direito, do lado da igreja de Domremy.
            — Que sinal a senhora viu quando escutou essa voz?
            — Uma grande claridade, quase sempre; quando vim à França, freqüentemente escutava essa voz.
            — Como a senhora podia ver a claridade, se ela vinha de lado?
            — Como o senhor faz para ver a claridade de uma lâmpada se olhá-la?
            — O que a senhora achava dessa voz?
            — Achava que era uma voz digna e acreditava firmemente que ela era enviada por Deus. Após escutá-la três vezes, soube que era de um anjo. Aliás essa voz sempre me aconselhou muito bem e compreendo claramente o que ela me anunciou.
            — Quais ensinamentos ela lhe deu para a salvação de sua alma?
            — Ela recomendou que eu sempre me comportasse bem e que freqüentasse a igreja.
            — Não lhe disse mais nada?
            — Sim.
            — O quê?
            — Que era necessário que eu viesse à França.
            (...)— O que dizia essa voz?
            — Que eu libertaria a cidade de Orléans e que conduziria meu rei até Reims para que ele fosse sagrado.
            (...)— A senhora saiu de Vaucouleurs vestida de homem?
            — É verdade que parti dessa cidade com roupas masculinas e portando uma espada que me fora presenteada por Robert de Baudricourt.
            (...)— Por que razão a senhora se vestia desse modo?
            — Passe adiante por favor. Não posso nem quero dizer.
            (...) Esse debate se prolongou por muito tempo; enfim foi preciso ceder, contudo, reservei-me o direito de falar ou me calar, segundo o que desejasse.
            (...) — A senhora acha que essas vozes vêm de Deus?
            — Sim, minha certeza disso é tão firme quanto minha fé cristã, bem como não duvido da vontade de Deus, que nos livrou das penas do inferno. (3 - Continua  o interrogatório...)
            (...) — A senhora sabe se está sob a graça de Deus?
            — Passe adiante, já respondi várias vezes sobre isso.
            — A senhora não o fez de modo positivo.
            Obrigada a responder, eu disse:
            — Caso não esteja, queira Deus me receber! Se estou, queira Deus nela me conservar. Seria a pessoa mais infeliz do mundo se soubesse estar fora da graça e do amor de Deus; prefiro morrer a ter essa certeza!
            Essa resposta produziu um tal efeito sobre a assembléia que os doutores se entreolharam surpresos, o bispo de Beauvais achou melhor suspender a sessão, marcando nova assembléia para terça-feira, dia 27 de fevereiro. (A história de Joana D'arc ditada por ela mesma. Cap. 6. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            Nessa nova assembléia, recomeçando o bispo a exigir de mim o juramento, levantou-se entre nós novo debate que eu não repetirei.
            (...)— A senhora viu Saint-Michel e seus anjos com corpos reais.
            — Eu os vi com meus olhos corporais, assim como vejo o senhor; quando eles se afastaram de mim eu chorei, queria que eles me tivessem levado com eles.
            — Como é o rosto de Saint-Michel?
            — Não posso responder, não tenho permissão.
            (...)— O que a senhora preferia? Seu estandarte ou sua espada?
            — Gostava muito mais, quarenta vezes mais do meu estandarte que da minha espada.
            (...)— Por que a senhora possuía um estandarte?
            — Eu o levava, eu mesma, quando atacava os inimigos para evitar de matar algum; nunca matei ninguém.
            (...)— Sob que imagem apareceu Saint-Michel?
            — Não vi coroa. Nada sei sobre suas roupas.
            — Ele estava nu?
            — O senhor pensa que Deus não tem como vesti-lo?  (3 - Continua  o interrogatório...) (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Cap. 7. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            (...) No dia 10 de março, o bispo veio até a prisão para prosseguir os interrogatórios, estava acompanhado de Jean de Fontaine que devia substituir Jean Beaupère nas suas funções de interrogador.
            (...) — A senhora acha que agiu bem partindo sem avisar seus pais? Sabe que devemos honrar pai e mãe?
            — Sempre obedeci aos dois, salvo dessa vez, porém, desde minha partida, eu lhes escrevi e eles me perdoaram.
            — Quando saiu de casa paterna, achava que cometia pecado?
            — Visto ser Deus que me mandava, era preciso fazê-lo, e mesmo que eu fosse filha do rei, mesmo que eu tivesse cem pais e cem mães, eu teria partido.
            (...)— A senhora acha que Deus deixaria condenar um inocente?
            — Deus não dirige os maus, porém ele recompensa, ao cêntuplo, aqueles que foram injustamente condenados.
            — A senhora acha que Deus seja justo deixando perecer inocentes?
            — Tudo o que Ele faz é bem feito.
            (...)— Não teria a senhora outros sinais de que são bons espíritos?
            — Saint-Michel já me certificou isso, antes mesmo que as voz me visitassem.
            — Como soube que era Saint-Michel?
            — Os anjos me disseram; por sua linguagem, creio firmemente que eram anjos; acreditei quase que de imediato e tenho sempre o desejo de acreditar nele. Quando Saint-Michel veio a mim, ele disse que Sainte-Catherine e Sainte-Marguerite me apareceriam; ele me recomendou que seguisse seus conselhos e acrescentou que elas eram enviadas para me conduzir e me orientar em tudo o que eu teria que fazer; que acreditasse em tudo que elas me dissessem; que elas eram enviadas por Nosso Senhor.
            — Caso Satanás se transformasse em anjo de luz a senhora o reconheceria?
            — Reconheceria perfeitamente Saint-Michel e seus anjos, dos maus espíritos. A primeira vez que o vi tive grande medo, e duvidei que fosse Saint-Michel, eu o vi várias vezes antes de ter a certeza de que era ele.
            (...)— Que doutrina ele lhe ensinou?
            — Antes de tudo, dizia para eu ser boa, que Deus me ajudaria; incentivou-me a socorrer o rei da França. Grande parte do que o anjo me ensinou está em seus registros...
            (...)— A senhora beijou Sainte-Catherine e Sainte-Marguerite?
            — Sim, as duas.
            — Elas eram cheirosas?
            — Que pergunta! Claro!
            — Quando as beijou sentiu calor ou outra coisa?
            — Não poderia beijá-las sem senti-las e tocá-las.
            — Em que parte do corpo as beijou? Na superior ou na inferior.
            — O respeito ordena que seja na inferior, beijei-lhes os pés. (3 - Continua  o interrogatório...)
            (...) Numa nova sessão com o bispo, reduziram o número de artigos para doze. Era, segundo o bispo e seus cúmplices, uma análise rápida e fiel de minhas confissões.
            Nicolas Midy os redigiu, e o fez com tanta arte que suas asserções davam-me como culpada em todos os tópicos, conservando uma aparência de grande verossimilhança.
            (...)Quase todas as opiniões dos assessores me foram contrárias pois ninguém se preocupou em comparar esses Artigos com minhas respostas, que aliás tinham sido, em sua maioria, falsificadas. Além dos consultores do Santo Ofício, um grande número de pessoas deu sua opinião, mas o bispo só revelou aquelas que poderiam ser-lhe úteis.
            Mil inquietações o agitavam; os ingleses o ameaçavam sem parar e se irritavam com a lentidão do processo. Entretanto ele não poderia apressá-lo mais do que já fazia; o medo de que um incidente qualquer revelasse ao público suas infames manobras, não lhe dava nenhum momento de paz. Ele resolveu então, para acabar com suas cruéis inquietações, por fim à minha vida, secretamente. Com essa finalidade mandou-me uma carpa envenenada, que comi sem desconfiança alguma, e nessa mesma noite, uma febre ardente me consumia.
            O cardeal de Winchester e o conde de Warwick, informados de que eu estava gravemente doente enviaram médicos, recomendando que fizessem tudo para me curar.
            Eles queriam a todo custo que eu morresse; mas era preciso, para seus interesses, que isso fosse publicamente e de uma forma violenta.
            (...)Warwick chamou imediatamente Cauchon, reprovou-lhe a atitude e ameaçou jogá-lo no rio Sena, caso ele não me fizesse voltar a viver. Muito feliz por salvar-se a esse preço, ele o prometeu formalmente; administrou-me secretamente um antídoto que me salvou, e a sangria feita pelos médicos acabou com a febre.
            (...)Minha doença foi longa e cruel; a todo instante as pessoas acreditavam que eu estava prestes a morrer. Ainda corria risco de vida quando a primeira advertência episcopal aconteceu; eu estava muito mal para responder e contentei-me em pedir os últimos sacramentos e a certeza de repousar em terra santa após minha morte. Disseram-me que estavam prestes a me permitir a confissão; quanto ao resto, entretanto, não deveria pensar nisto antes de ser submetida à Igreja.
            Preces, ameaças, nada pôde me alterar; eu pedia somente para ser enterrada em terra santa, dizendo que havia sido batizada e que morreria corno boa cristã.
            (...)No dia 2 de maio fui convocada na sala do castelo de Rouen onde se instalara o tribunal. Mal me curara da doença, Cauchon me disse para atender aos pedidos que me faria Jean Castillon, que era o encarregado proceder às admoestações.
            Este me fez um longo discurso sobre meus deveres e meus pretensos crimes, dos quais o principal era o uso de roupas masculinas.
            (...)Pediram-me para crer e submeter-me à Igreja militante.
            — Creio, respondi, na Igreja daqui de baixo; porém quanto às minhas ações e minhas palavras, eu só confio em Deus, corno já disse. Acredito que a Igreja militante não pode se extraviar nem cair em erro; não obstante a isso, quanto às minhas palavras e minhas ações, eu me submeto a Deus, meu Criador, quem me fez fazer tudo o que fiz e só quero me dirigir a ele.
            — A senhora quer dizer com isso que não tem juízes na Terra, nem mesmo monsenhor, o Papa?
            — Não direi outra coisa; Nosso Senhor é bom e me entrego em tudo a Ele e a nenhum outro.
            Exausta pelo cansaço e enfraquecida pela doença, esqueci de fazer menção ao Papa; caso tudo fosse explicado de boa fé, no que se refere à minha submissão à Igreja, o qüiprocó teria sido esclarecido; mas não era essa a intenção de meus juízes; eles recorreram às ameaças, sabendo que não existia melhor meio para me firmar em minha resolução. Ameaçaram-me de que, se persistisse na recusa, me declarariam herege e me queimariam como tal.
            (...) Reconheci a Igreja militante, seus poderes e suas atribuições, mas recusei submeter-me a ela. Essa contradição deveu-se à maneira pela qual os juízes se explicaram. Eu realmente recusei a submissão à Igreja, mas somente àquela da qual meus juízes falavam, isto é, ao seu tribunal investido, segundo eles, de seus poderes.
            (...) Antes do interrogatório, disseram-me que os carrascos estavam lá com todos os instrumentos necessários para me torturar; com efeito enviaram algumas pessoas para me fazer sofrer. Essas ameaças não me fizeram falar mais do que o de costume; eu prometi solenemente que, se a violência dos tormentos me arrancasse falsos votos, eu sustentaria que somente a força os arrancou de mim, e desmentiria tudo, Os juízes não julgaram conveniente submeter-me à tortura: vendo que a horrível visão dos instrumentos não me causou nenhuma impressão eles acharam que a tortura só faria aumentar minha persistência, e atrairia a meu favor os espíritos indecisos.
            (...)Os juízes, seguindo a opinião dos doze assessores consultados, decidiram que eu não sofreria torturas; minha longa doença tinha me enfraquecido tanto que temiam que eu expirasse durante as mesmas, o que perturbaria as opiniões e os projetos dos ingleses. A duquesa de Bedford tentava incessantemente me dar algum alívio. Como as poucas pessoas que se interessavam por mim e que ignorava vinha verdadeira situação, ela imaginou que as roupas masculinas eram a principal causa para os rigores que se exerciam contra mim. (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Cap. 8. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            (...) O objetivo do bispo não fora totalmente atingido; ele queria me fazer revogar as afirmações que nunca fizera e me obrigar a retratar-me publicamente sobre minha missão celeste.
            Ele enviou várias pessoas para me preparar para a cena que aconteceria no cemitério de Saint-Ouen. Nicolas l’Oyseleur veio pedir para que eu fizesse tudo o que os juízes quisessem; essa conduta era tão contrária à sua maneira habitual que não pude esconder a surpresa; ele aparentava estar ultrajado pelos verdadeiros perigos que eu corria; suas palavras pareciam tão sinceras que fui enganada.
            — Jeanne, creia em mim; pois se a senhora quiser será salva; aceite as roupas femininas, faça o que digo e será salva, ficará muito bem, não sofrerá nada e será aceita no seio da Igreja.
            Eu desejava ardentemente estar longe de mãos inglesas, essa promessa então produziu grande efeito sobre mim.
            No dia 24 de maio, Jean Beaupère veio me anunciar que eu seria levada ao cadafalso para ser advertida; disse que se eu fosse boa cristã, submeteria minhas ações e minhas palavras ao julgamento da Igreja e dos juízes eclesiásticos. Respondi que agiria de acordo.
            Quando ele saiu, escutei as vozes das duas santas; elas me encorajaram e me contaram tudo o que eu faria.
            Na hora da reunião, Jean Massieu e Mauger le Parmentier vieram me buscar para me conduzirem ao cemitério da abadia de Saint-Ouen. Tinham montado dois cadafalsos, em um via-se o bispo de Beauvais, o vice-Inquisidor, e o cardeal de Winchester, os bispos de Noyon e de Boulogne-sur-Mer, trinta e três assessores e algumas pessoas estranhas ao processo.
            (...)Uma multidão imensa se comprimia em torno dos cadafalsos.
            A fogueira foi montada na praça do Velho Mercado e o carrasco mantinha-se próximo ao cadafalso onde eu estava.
            (...)Guillaume Érard me fez um longo sermão sobre os deveres de um bom cristão, sobre a Igreja, sobre minha vida e minha doutrina; ele enumerou meus pretensos crimes, erros e mentiras; quando acabou, leu minha sentença de condenação e intimou que me submetesse à Igreja.
            (...)Eis em que termos ela foi concebida.
            ―Eu, Jeanne, declaro prometer e jurar diante de Deus e dos santos não mais usar roupas viris, nem os cabelos cortados redondos, não mais pegar em armas nem cavalgar junto com os militares; enfim, eu, Jeanne, declaro formalmente e sem restrições abjurar aquelas minhas palavras e ações que o nosso Santo Pai, o Papa, e nossa mãe, a Santa Igreja julgaram contrárias a fé. Prometo praticar o bem e evitar o mal como todo bom católico deve fazer.
            O pregador disse:
            — Jeanne tu abjurarás e assinarás essa cédula.
            Respondi:
            — Não sei o que é abjurar e pedirei conselho sobre isso.
            Jean Massieu recebeu ordem para me explicar; ele disse que seria aconselhável me entregar à Igreja universal para saber se devia ou não abjurar os artigos.
            — Dirijo-me à Igreja universal para saber se devo ou não abjurar.
            — Tu abjurarás ou serás queimada, retomou o pregador; abjura e responde se tu te submetes à Igreja.
            — Já respondi sobre minha submissão à Igreja, no que se refere às minhas palavras e minhas ações; consinto que enviem minhas respostas à Roma para serem examinadas lá e, submeto-me à decisão da Igreja; afirmo, porém, ao mesmo tempo, que nada fiz que não fosse por ordem de Deus. Além disso, se em meus discursos houver algo que seja ruim, declaro que tudo procede de mim mesma e que meu rei não me obrigou a nada.
            Perguntou-me se eu gostaria de revogar minhas palavras e ações que foram condenadas pelos eclesiáticos.
            — Entrego-me a Deus e a nosso Santo Pai, o Papa.
            (...)Os ingleses e sua gente vociferavam incessantemente ao meu redor, no intuito de me apavorar. Algumas pessoas me jogavam pedras. As ameaças do povo e principalmente as de Érard me causavam uma indescritível irritação. Num momento de impaciência disse-lhe energicamente:
            — Tudo o que fiz e faço, fiz bem e estou correta agindo assim.
            Vendo o resultado de suas ameaças, ele mudou de linguagem e disse com uma voz melosa:
            — Jeanne, temos tanta piedade de ti. É preciso que revogues o que disseste ou teremos que abandonar-te à justiça secular.
            — Nada fiz de mal, respondi, creio nos doze Artigos de fé e nos preceitos do Decálogo, dirijo-me à corte de Roma e quero crer em tudo em que crê a Santa Igreja.
            (...)O que me impedia de assinar a cédula, era o medo de cair em uma armadilha.
            Repassei seu conteúdo mentalmente; não encontrei a menor expressão que me inquietasse; desconfiava contudo de minhas idéias e temia colocar, quando assinasse, armas perigosas em mãos inimigas que sabiam tão bem se servir das coisas mais inofensivas.
            (...)Guillaume Érard percebeu instantaneamente que existia aí uma chance de salvação para mim, e se apressou em dizer:
            — Assina agora, ou acabarás teus dias no fogo.
            Respondi sem hesitar que preferia assinar a morrer queimada. O bispo do Beauvais, assim que eu disse essas palavras, perguntou ao cardeal do Winchester o que era preciso fazer, vendo que eu estava submissa, ele respondeu que o bispo devia me admitir uma penitência.
            Laurent Callot, secretário do rei da Inglaterra, tirou de sua manga a cédula de abjuração; aquela que Jean Massieu lera, tinha desaparecido. Como Callot estava sobre o cadafalso comigo, assim como várias pessoas que eu citei, acho que ele a colocou em sua manga bem naturalmente, mas era uma nova que queriam que eu assinasse.
            Para melhor me enganar escreveram a outra sobre um papel branco, esta, que era maior, teria levantado suspeitas se não tivesse sido escrita no mesmo papel. Com efeito, como tiveram a preocupação de copiá-la sobre um caderno do igual dimensão e de colocar na página que deveria assinar o mesmo número de linhas, não percebi nada nem duvidei de nada.
            (...)Uma espécie de pressentimento me impedia de assinar essa cédula, cujo conteúdo, entretanto, tal eu o conhecia, não deveria me inquietar. Avisaram-me que a fogueira estava preparada e o carrasco pronto para jogar-me nela caso eu me recusasse a assinar.
            Tudo bem pesado achei que seria melhor ceder às admoestações e aos pedidos dos assistentes; repetia sorrindo a fórmula de abjuração e traçava um zero embaixo para me divertir de meus juízes. Meu zero não agradou a Laurent Callot pois ele pegou minha mão e me fez traçar uma cruz embaixo com uma pena. Então os franceses e ―bourguignons‖, tocados de piedade por mim, gritaram de alegria. Os ingleses não ficaram contentes com minha submissão e apedrejaram todos os que estavam nos cadafalsos — eu principalmente.
            (...)Voltei à minha cela, com a doce esperança de não sofrer por muito tempo nesse local. (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Cap. 9. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            (...)No dia seguinte à abjuração, eu já lamentava ter retomado roupas femininas: não foi por espírito de insubordinação nem por teimosia, mas sim os instintos mais sagrados de mulher. Pierre Morice veio me visitar para me encorajar a continuar no bom caminho.
            Ele fora enviado pelo bispo de Beauvais que queria dar às suas ações a aparência de eqüidade. Ele planejou com o cardeal de Winchester os meios para me fazer vestir novamente roupas masculinas. Com sua aprovação, ele enviou Nicolas Midy e Jean Beaupère a minha cela para me incitar a praticar as boas resoluções tomadas. Os ingleses subalternos, que não sabiam o segredo, lhes fizeram tantas ameaças que eles julgaram prudente não entrar.
            Na noite de 26 para 27 durante meu sono, os guardas levaram minhas vestes femininas que estavam sobre a colcha da cama e colocaram em seu lugar as masculinas, que estavam na bolsa. Quando acordei, apressada para as necessidades naturais, quis me levantar. Quando vi que as roupas desapareceram e que sobre a cama só estavam as proibidas, achei que os guardas estivessem querendo caçoar de mim; e lhes supliquei de forma a mais comovente para que devolvessem minhas roupas, lembrando das interdições que foram feitas. Eles não deram atenção às minhas súplicas e riam de minhas lágrimas. Disse-lhes que seriam responsáveis pela minha morte. Eles me responderam que era justamente o que queriam. Tive que me levantar.
            Mal me vestia, o bispo de Beauvais entrou, assim que me viu nesse estado voltou para casa e convocou o conde de Warwick, os assessores, os notários e outras pessoas. Disse-lhes que eu caíra novamente em heresia, retomando as roupas masculinas e recomendou que verificassem a verdade com seus próprios olhos.
            (...)Ele me fez mil perguntas sobre diversos pontos que foram objeto de meus interrogatórios; eu renovava as respostas ou dava outras com o mesmo sentido. Era tudo o que desejava o bispo e seus cúmplices; antes de se retirar, Cauchon me disse:
            — A senhora abjurou e reconheceu falso diante do povo e dos eclesiásticos tudo o que afirma agora ser verdade, vejo com muito pesar que a senhora é relapsa; a senhora declarou formalmente que se vangloriava de ter escutado as vozes de Sainte-Catherine, Sainte-Marguerite, do Arcanjo Michel e do Anjo Gabriel.
            — Isso é o que eu creio nunca dizer nem fazer; não me escutei revogar essas aparições, nem dizer que não eram as vozes dessas duas santas que me falavam, e tudo o que fiz me foi arrancado por medo do fogo e foi contra a verdade que revoguei tudo o que pude revogar...
            (...)Na quarta-feira, 30 de maio, o irmão Martin l’Advenu, acompanhado pelo irmão Jean Toutmouille e por Jean Massieu veio me anunciar que eu fora condenada a ser queimada naquele mesmo dia.
            (...)O que fiz? me perguntava, por que me tratam de forma tão terrível e cruel? Por que é preciso que meu corpo, que nunca foi sujo nem corrompido, seja hoje consumido e reduzido a cinzas? Ah ! preferia ser decapitada sete vezes que ser assim queimada!
            (...)Antes da execução de qualquer criminoso tinha-se o hábito de fazer ler, através dos seculares, sua sentença de morte; não foi assim comigo, eu beijei a cruz que o irmão Isambert trouxe da igreja e desci do cadafalso com o irmão Martin l’Advenu. Mal estava sobre os últimos degraus, os arqueiros ingleses me seguraram com força e me levaram violentamente para a fogueira. Quando lá cheguei, colocaram-me sobre a cabeça a mitra da Inquisição onde estava escrito: ―herege, relapsa, apóstata, idólatra. Um grande número de assistentes e prelados, tomados de horror e piedade, se retirou banhado em lágrimas. Sobre um cartaz que estava diante da fogueira lia-se: ―Jeanne, que se faz chamar a Donzela, mentirosa, perniciosa, embusteira, blasfema de Deus, não crente da fé de Jesus Cristo, pretensiosa, idólatra, cruel, devassa, invocadora de diabos, cismática e herege.
            Subi na fogueira com o irmão Martin L’Advenu e fui amarrada a um grande poste que estava no meio. O carrasco logo em seguida ateou fogo embaixo da fogueira. A chama levou quase uma hora para chegar ao cimo.
            Assim que senti as primeiras queimaduras, pronunciei o nome de Jesus, elevei os olhos para o céu e vi minhas doces protetoras e anjos do céu que seguravam uma palma e uma coroa.
            Durante cerca de 15 minutos sofri horríveis torturas; mas as santas me encorajavam, e, quando dei finalmente o último suspiro, levaram com elas minha alma para os céus....
            Os ingleses, chocados de terror, pensaram ter visto minha alma sair em chamas sob a forma de uma pomba branca que se perdeu nos céus. Eles se retiraram consternados com minha morte, como se fosse uma calamidade pública, dizendo:
            — Estamos perdidos, pois queimamos uma santa mulher.
            Quando expirei, o carrasco recebeu ordem para as isolar um pouco as chamas a fim de que todos me vissem quase consumida e para que não dissessem que eu conseguira escapar. Ele ateou em seguida fogo em meus restos, porém não conseguiu reduzir a cinzas nem meu coração nem minhas vísceras. O cardeal de Winchester, temendo que o povo achasse que era um milagre, mandou jogar meus restos mortais no rio Sena. Eu tinha então 19 anos e dois meses de idade.
            O bispo de Beauvais, Nicolas l’Oyseleur, Nicolas Midy, enfim, todos os que foram culpados por minha morte ou que para ela contribuíram, pereceram miseravelmente, atormentados pela vergonha e o remorso.
            A partir do ano de 1449, Charles VII começou a recolher informações a meu respeito para me reabilitar. A súplica de meus familiares foi recebida em 1455 e o resultado do processo de revisão foi o de provar para todos a minha inocência." (A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Cap. 10. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec)
            Em 16 de maio de 1920, quase cinco séculos após ser queimada viva pela Inquisição, a guerreira francesa Joana d'Arc (1412-1431) teve seu nome inscrito no 'Martirológio Romano', o catálogo dos santos reconhecidos pela Igreja Católica.
            No documento que oficializou a canonização, o então papa Bento 15 (1854-1922) lembrou que a guerreira "despertou a admiração de todos" no momento de sua execução, "a ponto de até seus inimigos ficarem muito assustados e o próprio carrasco ter declarado que Joana havia sido condenada à morte de forma iníqua, e que ele temia muito por si mesmo pois havia queimado uma mulher santa".
            "E imediatamente os prodígios ocorreram. De fato, muitos dos presentes viram o nome de Jesus escrito dentro da chama do fogo na qual ela foi queimada", escreveu o pontífice, relatando ainda que uma pomba teria sido vista "voando nas chamas" e o coração da executada "permaneceu ileso e cheio de sangue, o que o próprio carrasco confirmou".
A bula papal prossegue atestando que "Deus, vingador da inocência e da justiça", impôs punições "aos ímpios": os britânicos acabaram "expulsos da cidade de Paris, depois da Normandia, Aquitânia e de toda a França", "todos os responsáveis pelo martírio de Joana morreram de uma morte muito ruim". (https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52670840 - Data da consulta: 10-04-21)
            Aliás, existe uma outra revelação surpreendente, segundo Humberto de Campos, pelo médium Chico Xavier, a última reencarnação de Judas Iscariotes na Terra, teria sido da conhecida heroína francesa Joana D'Arc, conforme mensagem do apóstolo apresentada no livro " Crônicas de Além Túmulo", que diz assim:
            "Depois da minha morte trágica submergi-me em séculos de sofrimento expiatório da minha falta. Sofri horrores nas perseguições infligidas em Roma aos adeptos da doutrina de Jesus e as minhas provas culminaram em uma fogueira inquisitorial, onde imitando o Mestre, fui traído, vendido e usurpado. Vítima da felonia e da traição deixei na Terra os derradeiros resquícios do meu crime, na Europa do século XV. Desde esse dia, em que me entreguei por amor do Cristo a todos os tormentos e infâmias que me aviltavam, com resignação e piedade pelos meus verdugos, fechei o ciclo das minhas dolorosas reencarnações na Terra, sentido na fronte o ósculo de perdão da minha própria consciência..."
(Crônicas de Além-Túmulo. Judas Iscariotes. Espírito Humberto de Campos. Psicografado por Chico Xavier).

Observação (1): Segundo outras fontes, o nome da sua irmã seria Catherine ( https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Joana_d'Arc)
Observação (2): Jornada dos Arenques: combate travado pelos franceses, no dia 12 de fevereiro de 1429, para embargar um comboio de arenques (peixes) destinado aos ingleses que sitiavam Orléans.
Observação (3): O interrogatório não foi colocado na íntegra, foram selecionadas apenas algumas partes interessantes, para fins de estudo.

Bibliografia:
- O Livro dos Espíritos. Questões 584, 742, 743, 744, 744-a, 745, 749, 541, 542, 543, 544 e 545. Allan Kardec.

- Revista Espírita. Janeiro de 1858. História de Joana D’arc ditada por ela própria à Senhorita Ermance Dufaux. Allan Kardec.

- Revista Espírita. Setembro de 1859. Palestras familiares além do túmulo/ As tempestades- Papel dos Espíritos nos fenômenos naturais. Allan Kardec. 

- Revista Espírita. Dezembro de 1867. Jeanne D'Arc e seus comentadores. N. de Wailly/ Allan Kardec.

- O Livro dos Médiuns. Segunda parte. Cap. 31. Dissertações Espíritas -  Sobre os médiuns. Item 11. Allan Kardec.

- A história de Joana D' arc ditada por ela mesma. Psicografia de  Ermance Dufaux - Médium de Allan Kardec.

- O Evangelho de Chico Xavier. Item 227. Chico Xavier / Carlos A. Baccelli.

- O Espírito de Chico Xavier. Pag. 29. Chico Xavier. Psicografado por Carlos A. Baccelli.

- Livro: Emmanuel. Cap. 21 - Na dependência da guerra. Espírito Emmanuel.  Psicografado por Chico Xavier.

- Palavras do infinito. A máxima de Juvenal continua de pé. Espírito Emmanuel.  Psicografado por Chico Xavier.

- Crônicas de Além-Túmulo. Judas Iscariotes. Espírito Humberto de Campos. Psicografado por Chico Xavier.

- Sites: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52670840; https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Joana_d'Arc - Data da consulta: 10-04-21.

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