POSSUI ALGUM MÉRITO DIANTE DE DEUS REALIZAR JEJUM MATERIAL ?

O jejum material era uma prática dos judeus desde os tempos antigos.

No Antigo Testamento,  na lei de Moisés, foi instituído para os judeus um dia de "sacrifício" (holocausto e jejum) com a finalidade de purificação dos pecados: o do "dia da expiação" (Levítico 16:11;16;29-31 / 23:27-32; Êxodo 30:10) , no qual mais tarde também ficou conhecido como "o dia do jejum" (Jeremias 36:6;9). Às vezes, utilizavam a expressão "afligireis a vossa alma" (Números 29:7) para indicar o jejum, que significa que as pessoas deveriam negar todo e qualquer tipo de prazeres à sua própria alma.

Entretanto, há exemplos de personalidades bíblicas que realizaram esta prática em situações específicas. Moisés realizou  o jejum antes de receber os Dez Mandamentos (Êxodo 34:27-29); O rei Acabe, após ouvir as palavras de advertência do profeta Elias, também seguiu esta prática (1 Reis 21:27-29). Esdras jejuou para pedir proteção de Deus em sua viagem de regresso do exílio à Terra Prometida   (Esdras 8:21-23);  Neemias jejuou por alguns dias, orando e lamentando pelo sofrimento do povo (Neemias 1:4).  O mesmo fizeram os habitantes de Ninive diante do apelo de Jonas ao arrependimento (Jonas 3:5-10).

No entanto, ao perceber que o jejum material era apenas um costume, que não contribuía para modificar a conduta moral do povo hebreu, o profeta Isaías, recebeu a mensagem do Senhor e transmitiu a advertência, através da seguinte reflexão:

" 'Por que jejuamos', dizem, 'e não o viste? Por que nos humilhamos, e não reparaste? ' Contudo, no dia do seu jejum vocês fazem o que é do agrado de vocês, e exploram os seus empregados. Seu jejum termina em discussão e rixa, e em brigas de socos brutais. Vocês não podem jejuar como fazem hoje e esperar que a sua voz seja ouvida no alto.  Será esse o jejum que escolhi, que apenas um dia o homem se humilhe, incline a cabeça como o junco e se deite sobre pano de saco e cinzas? É isso que vocês chamam jejum, um dia aceitável ao Senhor?  O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo?  Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo?  Aí sim, a sua luz irromperá como a alvorada, e prontamente surgirá a sua cura; a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor estará na sua retaguarda.  Aí sim, você clamará ao Senhor, e ele responderá; você gritará por socorro, e ele dirá: Aqui estou. Se você eliminar do seu meio o jugo opressor, o dedo acusador e a falsidade do falar;  se com renúncia própria você beneficiar os famintos e satisfizer o anseio dos aflitos, então a sua luz despontará nas trevas, e a sua noite será como o meio-dia. O Senhor o guiará constantemente; satisfará os seus desejos numa terra ressequida pelo sol e fortalecerá os seus ossos."  (Isaías 58: 3-11)

Em outras palavras, a mensagem espiritual do profeta Isaías significa que o jejum agradável a Deus é o moral, ou seja, sacrificar-se em benefício do próximo e corrigir-se das suas imperfeições, pois seguindo estes princípios é que receberá as bênçãos divinas. Não há lógica e razão para realizar jejum material, se continuam infringindo as leis divinas de amor e caridade.

Do mesmo modo, Jesus Cristo jamais indicou realizar jejum material ou algum tipo penitência para se purificar dos pecados. Os seus discípulos não observavam esta prática, inclusive eram julgados pelos escribas e fariseus, pois comiam e bebiam com os pecadores e  publicanos (Mateus 9:14 /Lucas 5:30).

Em outra ocasião,  o próprio Mestre foi criticado por razões quase idênticas, o que o levou a retrucar: "Porque veio João Batista, que não comia pão nem bebia vinho, e dizeis: Tem demônio. Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizeis: Eis aí um homem comilão, e bebedor de vinho, amigo dos publicanos e dos pecadores." (Lucas 7:33-34).

Segundo Paulo Godoy, "O Senhor, em suas respostas, deixou entrever o seu pouco apreço à prática do jejum, que deve ser entendido como "jejum" na abstinência de atos maus e imorais, e não como jejum na ingestão de alimentos, prática essa que não tem qualquer valor de conseqüência espiritual, pois o próprio Cristo asseverou em Marcos, 7: 15: "Nada há, fora do homem, que entrando nele o possa contaminar; mas o que sai dele, isso é que contamina o homem". Complementando esse ensino, a pedido dos apóstolos, acrescentou: "Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca, desce para o ventre, e é lançado fora? Mas o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias." (Mateus, 15:17-18)." (Os padrões evangélicos. Melhor é o velho...Paulo Alves Godoy)

No entanto, devido aos costumes antigos e interpretações equivocadas de alguns trechos bíblicos, os homens continuam seguindo práticas que estão em desacordo com as leis divinas.

A quaresma, por exemplo, período de quarenta dias que antecede a Páscoa, marcado por jejum, penitência e oração é uma tradição da Igreja Católica, criada pelos homens. O versículo de Mateus 4:1-2, utilizado como base teológica, no qual diz que "Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo. Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome", não deve ser interpretado ao pé da letra, mas compreendido de forma simbólica. Ninguém consegue realizar a melhoria íntima (purificação interior) por meio da abstinência de alimentos e rituais primitivos, mas somente através do estudo das leis morais, meditação e trabalho no bem. Aliás,  se alguém realmente conseguisse fazer jejum por quarenta dias já estaria morto fisicamente, conforme a ciência.

Segundo João Evangelista, "Jesus não foi arrebatado. Ele apenas quis fazer que os homens compreendessem que a Humanidade se acha sujeita a falir e que deve estar sempre em guarda contra as más inspirações a que, pela sua natureza fraca, é impelida a ceder. A  tentação de Jesus é, pois, uma figura e fora preciso ser cego para tomá-la ao pé da letra." (A Gênese. Cap. 15. Item 53. João Evangelista, Bordéus, 1862. Allan Kardec)

De acordo com Rodolfo Calligaris, "Os "quarenta dias e quarenta noites" de permanência "no deserto" simbolizam o longo período de nosso estágio nos reinos infra-humanos, nos quais os germes de nossos futuros desenvolvimentos anímicos jaziam, latentes, na aridez da semiconsciência.  A "fome" que, então; se manifestou, representa a eclosão de nossa individualidade racional, com os anseios de crescimento e de perfectibilidade que a caracterizam. Quanto às respostas dadas por Jesus , ao "diabo", é bem de ver-se, constituem sínteses da Doutrina que, ao depois, iria ele explanar nos três anos de seu ministério público, ensinando-nos como vencer nossas fraquezas e inferioridades, a fim de tornar-nos "unos com ele como ele o é com o Pai celestial". (Páginas de Espiritismo Cristão. Cap. 55 - A tentação de Jesus I. Rodolfo Calligaris)

Em "O Livro dos Espíritos", Allan Kardec faz algumas perguntas sobre este assunto e os Espíritos Superiores trazem alguns esclarecimentos:

720. São meritórias aos olhos de Deus as privações voluntárias, com o objetivo de uma expiação igualmente voluntária?

"Fazei o bem aos vossos semelhantes e mais mérito tereis."

a) - Haverá privações voluntárias que sejam meritórias?

"Há: a privação dos gozos inúteis, porque desprende da matéria o homem e lhe eleva a alma. Meritório é resistir à tentação que arrasta ao excesso ou ao gozo das coisas inúteis; é o homem tirar do que lhe é necessário para dar aos que carecem do bastante. Se a privação não passar de simulacro, será uma irrisão."

721. É meritória, de qualquer ponto de vista, a vida de mortificações ascéticas (1) que desde a mais remota antiguidade teve praticantes no seio de diversos povos?

"Procurai saber a quem ela aproveita e tereis a resposta. Se somente serve para quem a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo, seja qual for o pretexto com que entendam de colori-la. Privar-se a si mesmo e trabalhar para os outros, tal a verdadeira mortificação, segundo a caridade cristã."

722. Será racional a abstenção de certos alimentos, prescrita a diversos povos?

"Permitido é ao homem alimentar-se de tudo o que lhe não prejudique a saúde. Alguns legisladores, porém, com um fim útil, entenderam de interdizer o uso de certos alimentos e, para maior autoridade imprimirem às suas leis, apresentaram-nas como emanadas de Deus."

Segundo Cairbar Schutel, " Nos tempos farisaicos, o jejum era um dos preceitos máximos da Lei. Os fariseus e escribas usavam muito do jejum. Em geral, os judeus eram jejuadores. Julgavam que a religião consistia em não comer e não beber, ou em não comer e não beber isto ou aquilo. A religião daquela gente consistia em comida e bebida e não na prática da caridade, no amor a Deus. " (O Espírito do Cristianismo. Cap. 8. Cairbar Schutel)

Entretanto, de acordo com Léon Denis, "O ascetismo é coisa vã. Jesus limita-se a orar e a meditar, nos sítios solitários, nos templos naturais que têm por colunas as montanhas, por cúpula a abóbada dos céus, e de onde o pensamento mais livremente se eleva ao Criador. "(Cristianismo e Espiritismo. Cap. 4. Léon Denis)

Um exemplo disso, verifica-se horas antes da sua crucificação: Jesus se recolheu no Monte das Oliveiras, afastou-se um pouco dos seus discípulos e recomendou para que orassem e vigiassem, pois estava prestes a ocorrer o difícil testemunho, porém eles dormiram e o deixaram solitário, meditando e dialogando com o Pai Celestial (Lucas 22:39-46). 

Portanto, o sacrifício mais agradável a Deus é o jejum moral ou espiritual, que consiste na abstenção de tudo o que seja mal, isto é, de tudo o que, nos pensamentos, nas palavras e nos atos, seja contrário à lei divina.

De acordo com Eliseu Rigonatti, "O jejum, ato puramente material, não era adotado por Jesus. Seguindo-lhe o exemplo, o Espiritismo também não adota o jejum material. O significado espiritual do jejum são os sacrifícios que fazemos, não só para que nos livremos de nossas imperfeições, como também para beneficiarmos nossos irmãos. O jejum espiritual é o único que o Senhor leva em conta. " (O Evangelho dos Humildes. Cap. 9. Eliseu Rigonatti)

Obs.(1): Asceticismo: "Moral filosófica ou religiosa baseada na autodisciplina e no desprezo ao corpo e às sensações corporais e que tende a assegurar, pelos sofrimentos físicos, o triunfo do espírito sobre os instintos e as paixões." (Fonte: https://michaelis.uol.com.br - Data da consulta: 20-04-25)

Passatempo Espírita © 2013 - 2025. Todos os direitos reservados. Site sem fins lucrativos.

Desenvolvido por Webnode