O Santo desiludido

        Inclinara-se a palestra, no lar humilde de Cafarnaum, para os assuntos alusivos à devoção, quando o Mestre narrou com significativo tom de voz:
        — Um venerado devoto retirou-se, em definitivo, para uma gruta isolada, em plena floresta, a pretexto de servir a Deus. Ali vivia, entre orações e pensamentos que julgava irrepreensíveis, e o povo, crendo tratar-se de um santo messias, passou a reverenciá-lo com intraduzível respeito. Se alguém pretendia efetuar qualquer negócio do mundo, dava-se pressa em buscar-lhe o parecer. Fascinado pela alheia consideração, o crente, estagnado na adoração sem trabalho, supunha dever situar toda gente em seu modo de ser, com a respeitável desculpa de conquistar o paraíso.
        Se um homem ativo e de boa-fé lhe trazia à apreciação algum plano de serviço comercial, ponderava, escandalizado:
        — Um erro. Apague a sede de lucro que lhe ferve nas veias. Isto é ambição criminosa. Venha orar e esquecer a cobiça.
        Se esse ou aquele jovem lhe rogava opinião sobre o casamento, clamava, aflito:
        — É disparate. A carne está submetendo o seu espírito. Isto é luxúria. Venha orar e consumir o pecado.
        Quando um ou outro companheiro lhe implorava conselho acerca de algum elevado encargo, na administração pública, exclamava, compungido: um desastre.
        Afaste-se da paixão pelo poder. Isto é vaidade e orgulho. Venha orar e vencer os maus pensamentos.
        Surgindo pessoa de bons propósitos, reclamando-lhe a opinião quanto a alguma festa de fraternidade em projeto, objetava, irritadiço:
        — Uma calamidade. O júbilo do povo é desregramento. Fuja à desordem. Venha orar, subtraindo-se à tentação.
        E assim, cada consulente, em vista da imensa autoridade que o santo desfrutava, se entristecia de maneira irremediável e passava a partilhar-lhe os ócios na soledade, em absoluta paralisia da alma.
        O tempo, todavia, que tudo transforma, trouxe ao preguiçoso adorador a morte do corpo físico.
        Todos os seguidores dele o julgaram arrebatado ao Céu e ele mesmo acreditou que, do sepulcro, seguiria direto ao paraíso. Com inexcedível assombro, porém, foi conduzido por forças das trevas a terrível purgatório de assassinos. Em pranto desesperado indagou, à vista de semelhante e inesperada aflição, dos motivos que lhe haviam sitiado o espírito em tão pavoroso e infernal torvelinho, sendo esclarecido que, se não fora homicida vulgar na Terra, era ali identificado como matador da coragem e da esperança em centenas de irmãos em humanidade.
        Silenciou Jesus, mas João, muito admirado, considerou:
        — Mestre, jamais poderia supor que a devoção excessiva conduzisse alguém a infortúnio tão grande!
        O Cristo, porém, respondeu, imperturbável:
        — Plantemos a crença e a confiança entre os homens, entendendo, entretanto, que cada criatura tem o caminho que lhe é próprio. A fé sem obras é uma lâmpada apagada. Nunca nos esqueçamos de que o ato de desanimar os outros, nas santas aventuras do bem, é um dos maiores pecados diante do Poderoso e Compassivo Senhor.
(Jesus no lar. Espírito Neio Lúcio. Psicografado por Chico Xavier)

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