O remédio à preguiça

        Assim que Januário Pedroso encontrou a brecha desejada, empenhou relações prestigiosas, multiplicou empenhos, mobilizou a parentela e enfileirou-se no serviço público, desfrutando um título respeitável. Na grande transformação ministerial que lhe oferecera a oportunidade, coube-lhe atribuições de ordem técnica, interessante à vasta região do país, onde lhe competia orientar o trabalho de pecuários e lavradores. Entretanto, ao ver-se revestido de autoridade e lendo seu nome nas tabelas de pagamento do jornal oficioso, voltou à inércia de outros tempos, de que saíra tão só por conjugar o verbo pedir.
        Não era mau companheiro o Pedroso, mas, em matéria de serviço, era de uma negação absoluta. Assinava o livro de ponto regularmente, sentava-se à mesa de trabalho rodeado de documentos e fichários volumosos; todavia, se o superior hierárquico tardava em aparecer, ele se erguia vagaroso, mãos nos bolsos, e procurava o primeiro colega em disponibilidade para conversações ociosas. Visitava as diversas seções de serviço, criticava os que trabalhassem, distribuía anedotas insossas, e, quando o chefe se instalava no gabinete, retomava o lugar, de mãos ocupadas e cérebro vazio.
        — Januário, poderá informar-me o que há com o processo de construção do Parque Avícola? — indagava o diretor, preocupado.
        — Aqueles papéis que me entregou no mês passado para guardar? — respondia o funcionário pausadamente, em longa frase, complicando o assunto em vez de explicá-lo.
        — Sim, sim, mas não lhe dei para arquivar e sim para informar.
        Pedroso fungava ruidosamente, movimentava a mão pesada no monte de documentos, espraiava o olhar preguiçoso e, muito depois, no segundo expediente, aproximava-se do chefe e esclarecia:
        — Eis aqui o processo; no entanto, precisa ser selado.
        O diretor fixava-o entre a piedade e a impaciência, e dizia:
        — Pedroso, não ignoro a falta dos selos e creio que, ao lhe confiar o trabalho, referi-me à providência.
        — Sim, senhor.
        Com estas duas palavras, voltava à mesa e a papelada continuava a esperar solução.
        No dia imediato, encontrando-se ambos a sós, o diretor tomava a palavra com benevolência:
        — Você, Januário, necessita despertar na profissão escolhida. E moço, inteligente, culto; contudo, faltam-lhe iniciativa e diligência. Não se comove, porventura, ante a perspectiva de serviços que nos requisitam esforço? Anime-se, mobilize energias. Dê andamento aos processos, procure interessar-se pelo trabalho ativo. Deve compreender que não estamos aqui para cruzar os braços ou deixar que as circunstâncias nos governem.
        O rapaz baixava a cabeça e respondia:
        — Sim, senhor.
        Ante o silêncio e a humildade postiça, rematava o diretor bondosamente:
        — Pois bem; vamos então pensar e trabalhar. Traga-me a relação dos núcleos pecuários do Norte.
        Daí a pouco, Pedroso vinha dizer que a relação estava incompleta.
        Quando ouvia advertências diretas do superior, o funcionário mostrava-se tímido, no íntimo, porém, andava cheio de considerações tendentes à rebeldia. Que era o serviço público, em seu modo de ver, senão o lugar do menor esforço? Achava-se garantido pelo decreto de nomeação. Não poderia ser alijado sem rumoroso processo administrativo e recebia, por isso, as advertências da chefia sem maior preocupação. Concitado energicamente ao dever, curvava-se cuidadoso e prosseguia nos velhos hábitos.
        Compreendendo a dificuldade, o superior resolveu observar-lhe as possibilidades de outro modo e enviou-o à zona do Norte, conferindo-lhe honrosas responsabilidades no fomento da produção agrícola e pecuária. Pedroso demorou-se mais de um ano sem dar notícias de suas atividades.
        Impressionado, o chefe chama-o à sede dos trabalhos.
        — Então, Januário? diga-nos alguma coisa. Que fez neste ano de tarefas novas? — perguntou bem-humorado.
        — Não foi possível realizar coisa alguma — replicou o funcionário preguiçoso —, a região é muito seca.
        Sorriu o chefe paciente e explicou:
        — Mudará, então, de zona: designá-lo-ei para serviços no Sul.
        E assim foi. Decorrido, porém, um ano, voltou o subordinado informando que o Sul não lhe oferecera elementos adequados. O chefe tolerante exclamou, antecipando-se às justificativas:
        — Compreendo. Se você encontrou tanta seca no Norte, certo foi surpreendido por água excessiva no Sul; todavia, poderei mudar sua rota. Irá agora para Oeste.
        O funcionário obedeceu, mas, decorridos oito meses, regressava declarando que o Oeste não passava de florestas selvagens.
        Nova designação para Leste. No entanto, após dois anos em que Pedroso apenas remetia notificação telegráfica de ponto, para efeito do pagamento mensal, voltava à sede, alegando que nada pudera fazer, devido às derrubadas extensas e ao espírito ruralista da região, refratário aos métodos modernos de agricultura e criação animal.
        O superior olhou-o, consternado, e assentou com resignação:
        — Vá ficando por aqui mesmo...
        Não queria o subordinado outra coisa, e a velha vidinha continuou entre processos por despachar e obrigações por atender. Concluiu o diretor que Pedroso era impermeável a conselhos e esclarecimentos, e, conformado, passou a considerá-lo um mal irremediável na repartição confiada à sua guarda.
        O tempo correu e Januário sempre se manteve no mesmo lugar. Se lhe perguntassem quanto a preferências na vida, talvez respondesse que, acima de tudo, apreciava comer e dormir.
        A morte do corpo foi encontrá-lo nessa atitude de inércia incompreensível. Atirado, então, a verdadeiro torvelinho de necessidades espirituais, em vão buscava esclarecimento nas rodas de serviço, onde permaneciam velhos companheiros.
        À maneira do idiota que acordasse subitamente, ignorando o verdadeiro caminho para compreensão de si próprio, queria explicações e conselhos. Agora, porém, os amigos da Terra não lhe percebiam a presença e estavam muito ocupados para recordá-lo com intercessões espontâneas. Debalde chamou, suplicou, insistiu e não poucos anos gastou na ansiedade penosa.
        Somente muito mais tarde, colhido na desesperação, por entidades caridosas, foi conduzido à presença de antigo orientador espiritual em condições de prestar-lhe ajuda eficiente. Enfrentando o generoso trabalhador da Espiritualidade, queixou-se ruidosamente, exteriorizando as mágoas íntimas.
        — Não necessita expor tão minuciosas explicações — exclamou o sábio mentor —, não é você Januário Pedroso, antigo servidor de tarefas rurais no Planeta?
        — Pois quê? Conhecem-me aqui? — indagou boquiaberto.
        — Esperava-o há muito tempo — tornou o benfeitor — e pode crer que demorou no caminho, porque desejava ainda escorar-se nos amigos encarnados, mesmo depois da transição da morte.
        Enumerou Januário as dificuldades, em pranto copioso. Sentia-se desventurado, sem a dedicação de ninguém. Implorou, ansioso, a renovação da experiência terrestre. Queria trabalhar, entendia agora o valor do espírito de serviço. O instrutor, porém, depois de ouvi-lo, tolerante, esclareceu serenamente:
        — De suas anotações, em meu poder, não consta motivo para tantas lágrimas e sim apontamentos convidando a reflexões muito sérias, de sua parte. A permanência no mundo não lhe foi senão longa série de repousos, sestas, licenças, férias, abonos. Poltronas e leitos instruem a história da sua última encarnação.
        Assombrado, o ex-funcionário objetou:
        — Mas eu trabalhava no serviço público.
        — Tal circunstância lhe agrava a situação. Se houvesse lesado alguém, na esfera particular, a intercessão e a tolerância facilitariam a solução dos seus problemas; todavia, você é obrigado a prestar contas à coletividade, destacando-se uma classe inteira, sobre a qual sua vida pesou como parasita indesejável.
        — Não poderei, entretanto, voltar à Terra, para retificar meus erros? Será crível que se me fechem as portas da renovação?
        — Sim, suas lágrimas de arrependimento são dolorosas e sinceras. Não ficará sem recursos.
        — Ah! graças a Deus! — falou o mísero. — Regressarei ao mundo, voltarei à minha repartição, compreenderei, agora, os meus companheiros!...
        — Isto é que não — explicou o mentor com serenidade —, na Terra a senha ainda é: “contra a preguiça, diligência”. Agora, porém, não estamos na esfera do Globo. Você está, enfermo e precisa remédio. A senha há de ser diferente…
        — Como? — interrogou o infeliz, aterrado.
        O magnânimo orientador dirigiu-lhe significativo olhar e perguntou:
        — Que indicava você, na qualidade de servidor do campo, quando o fogo invadia a pastagem?
        Pedroso, embora intrigado, respondeu:
        — Aconselhava o contrafogo.
        O generoso amigo esboçou um gesto de bondade tranquila e esclareceu:
        — Tenho de partir do mesmo principio. A ociosidade invadiu sua vida. Contra a sua preguiça devo receitar a imobilidade. Para que aprenda a estimar o trabalho e a criar o sublime desejo de movimentação no mundo, você renascerá paralítico.
(Reportagens de Além-túmulo. Humberto de Campos. Psicografado por Chico Xavier)

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