ALLAN KARDEC ERA RACISTA?

Muitos adversários do Espiritismo alegam equivocadamente  que  Allan Kardec era racista  devido a má interpretação que fizeram dos seguintes textos das obras espíritas: "Frenologia Espiritualista e Espírita - Perfectibilidade da Raça Negra", da edição de abril de 1862 da Revista Espírita;  assim como dos itens 29 e 32 do cap. XI de A Gênese; e do ensaio Teoria do Belo (ou da beleza), do livro Obras Póstumas.

Os indivíduos que fazem críticas destrutivas ao Codificador e o acusam de ser um homem racista usam, como base de seus argumentos, alguns textos que estão completamente fora do contexto histórico, científico e cultural da época em que ele viveu.

Infelizmente, estes erros de interpretação ocorrem,  pois  os seus adversários não estudaram com profundidade a Doutrina Espírita e  desconhecem a informação de que Allan Kardec se baseou parcialmente ou totalmente a sua tese da inferioridade da raça negra,  na teoria científica da evolução das espécies de Charles Darwin (particularmente a espécie hominal) e nas ideias de J. J. Rousseau (séculos XVIII - XIX), apesar do Codificador da Doutrina Espírita não ter citado o nome do cientista e do filósofo nos seus textos . Allan Kardec considerada a raça negra primitiva, de acordo com os estudos das ciências biológicas da época,  porém não considerava que todos os Espíritos encarnados negros sejam moralmente e intectualmente atrasados, pois relata o caso do famoso músico negro cego, afirmando que "esta posição ser-lhe-ia uma prova ou uma expiação; talvez, ainda, uma missão, a fim de provar que essa raça não está votada pela Natureza a uma inferioridade absoluta". (Revista Espírita. Setembro de 1866. Os fenômenos apócrifos. Allan Kardec). Se Allan Kardec considera que um homem negro possa realizar uma missão, logo, o codificador também acredita  que ele seja um espírito adiantado, pois, de acordo com o livro " O Evangelho Segundo o Espiritismo", cap. 21, item 9: " para (...) missões são sempre escolhidos Espíritos já adiantados, que fizeram suas provas noutras existências"...

QUAL ERA O CONCEITO DE RAÇA NAQUELA ÉPOCA?

Segundo Paulo da Silva Neto Sobrinho, " Etimologicamente, o conceito de raça veio do italiano razza, que por sua vez veio do latim ratio, que significa sorte, categoria, espécie. Na história das ciências naturais, o conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais. Foi neste sentido que o naturalista sueco, Carl Von Linné, conhecido em Português como Lineu (1707-1778), o usou para classificar as plantas em 24 raças ou classes, classificação hoje inteiramente abandonada.

(...)Somos espécie humana porque formamos um conjunto de seres, homens e mulheres capazes de constituir casais fecundos, isto é, capazes de procriar, de gerar outros machos e outras fêmeas. Sem a classificação, não é possível falar de milhões de espécies de animais do universo conhecido. Apenas, no seio da espécie homo-sapiens (homo sábio), a que pertencemos, somos hoje cerca de 6 bilhões de indivíduos. Nessa enorme diversidade humana que somos, da mesma maneira que distinguimos o babuíno do orangotango, não podemos confundir o chinês com o pigmeu da África, o norueguês com o senegalês, etc.

Em qualquer operação de classificação, é preciso primeiramente estabelecer alguns critérios objetivos com base na diferença e semelhança. No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d'água entre as chamadas raças. Por isso, que a espécie humana ficou dividida em três raças estanças que resistem até hoje no imaginário coletivo e na terminologia científica: raça branca, negra e amarela. Ora, a cor da pele é definida pela concentração da melanina.

(...)No século XIX, acrescentou-se ao critério da cor outros critérios morfológicos como a forma do nariz, dos lábios, do queixo, do formato do crânio, o ângulo facial, etc. para aperfeiçoar a classificação. O crânio alongado, dito dolicocéfalo, por exemplo, era tido como característica dos brancos "nórdicos", enquanto o crânio arredondado, braquicéfalo, era considerado como característica física dos negros e amarelos." (Artigo: Racismo em Kardec? A Propaganda antiespírita e a verdade doutrinária. Paulo da Silva Neto Sobrinho)

"A cabeça grande - acreditavam alguns antropólogos físicos europeus - era o indicativo de um cérebro grande, logo de uma capacidade maior para o raciocínio. Os estudos de frenologia e craniometria estavam muito em moda  nas academias de ciência desde o século XIX." (Antropologia Cultural: um itinerário para futuros professores de história. Ricardo Alexandre Ferreira)

Segundo Allan Kardec, "O Dr. Gall, fundador dessa ciência, pensava que, desde que o cérebro é o ponto onde terminam todas as sensações, e de onde partem todas as manifestações das faculdades intelectuais e morais, cada uma das faculdades primitivas deveria ter ali o seu órgão especial. Assim, seu sistema consiste na localização das faculdades. Como o desenvolvimento da caixa óssea é determinado pelo desenvolvimento de cada parte cerebral, produzindo protuberâncias, concluiu ele que do exame dessas protuberâncias poder-se-ia deduzir a predominância de tal ou qual faculdade e, daí, o caráter ou as aptidões do indivíduo. Daí, também, o nome de cranioscopia dado a essa ciência, com a diferença de que a  frenologia   tem por objeto tudo o que concerne às atribuições do cérebro, ao passo que a cranioscopia se limita às induções tiradas da inspeção do crânio. (...) Não vamos aqui discutir o mérito dessa ciência, nem examinar se é verdadeira ou exagerada em todas as suas consequências. Mas ela foi, alternadamente, defendida e criticada por homens de alto valor científico. "(Revista Espírita. Julho de 1860. A frenologia e a fisiognomia. Allan Kardec)

No século XX, descobriu-se graças aos progressos da Genética Humana, que haviam no sangue critérios químicos mais determinantes para consagrar definitivamente a divisão da humanidade em raças estanças. Grupos de sangue, certas doenças hereditárias e outros fatores na hemoglobina eram encontrados com mais frequência e incidência em algumas raças do que em outras, podendo configurar o que os próprios geneticistas chamaram de marcadores genéticos. (...)As pesquisas comparativas levaram também à conclusão de que os patrimônios genéticos de dois indivíduos pertencentes à uma mesma raça podem ser mais distantes que os pertencentes à raças diferentes; um marcador genético característico de uma raça, pode, embora com menos incidência ser encontrado em outra raça. 

(...)Combinando todos esses desencontros com os progressos realizados na própria ciência biológica (genética humana, biologia molecular, bioquímica), os estudiosos desse campo de conhecimento chegaram à conclusão de que a raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito aliás cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças estanças. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem.

(...)A questão mais importante do ponto de vista científico não é apenas observar e estabelecer tipologias, mas sim principalmente encontrar a explicação da diversidade humana.

(...)Darwin demonstrou a partir dos princípios da seleção natural (A Evolução da Espécie, 1859), que os organismos vivos evoluíram gradativamente a partir de uma origem comum e se diversificaram no tempo e no espaço, adaptando-se a meios hostis, diversos e em perpétua transformação. A variação dos caracteres genéticos, fisiológicos, morfológicos e comportamentais hoje observados, tanto entre as populações vegetais e animais como humanas, correspondem em grande medida a um fenômeno adaptativo. Exemplos: uma pele escura concentra mais melanina que uma pele clara, pois protege contra a infiltração dos raios ultravioletas nos países tropicais; uma pele clara é necessária nos países frios, pois auxilia na síntese da vitamina D. Graças aos progressos da ciência e da tecnologia, a adaptação ao meio ambiente não precisa mais hoje de mutações genéticas necessárias no longínquo passado de nossos antepassados.

A diversidade genética é absolutamente indispensável à sobrevivência da espécie humana. Cada indivíduo humano é único e se distingue de todos os indivíduos passados, presentes e futuros, não apenas no plano morfológico, imunológico e fisiológico, mas também no plano dos comportamentos. É absurdo pensar que os caracteres adaptativos sejam no absoluto "melhores" ou "menos bons", "superiores" ou "inferiores" que outros. " (Artigo: Racismo em Kardec? A Propaganda antiespírita e a verdade doutrinária. Paulo da Silva Neto Sobrinho)

QUAL É A ORIGEM DO CONCEITO DE RACISMO?

De acordo com Paulo da Silva Neto Sobrinho, "(...) Com efeito, com base nas relações entre "raça" e "racismo", o racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas suportes das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores desiguais.

Visto deste ponto de vista, o racismo é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural. O racista cria a raça no sentido sociológico, ou seja, a raça no imaginário do racista não é exclusivamente um grupo definido pelos traços físicos. A raça na cabeça dele é um grupo social com traços culturais, linguísticos, religiosos, etc. que ele considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence.

De outro modo, o racismo é essa tendência que consiste em considerar que as características intelectuais e morais de um dado grupo, são consequências diretas de suas características físicas ou biológicas.

(...) Os caracteres  físicos foram considerados irreversíveis na sua influência sobre os comportamentos dos povos.

(...) Embora a raça não exista biologicamente, isto é insuficiente para fazer desaparecer as categorias mentais que a sustentam. O difícil é aniquilar as raças fictícias que rondam em nossas representações e imaginários coletivos. Enquanto o racismo clássico se alimenta na noção de raça, o racismo novo se alimenta na noção de etnia definida como um grupo cultural, categoria que constituí um lexical mais aceitável que a raça (falar politicamente correto).

(...)O conteúdo da raça é morfo-biológico e o da etnia é sócio-cultural, histórico e psicológico. Um conjunto populacional dito raça "branca", "negra" e "amarela", pode conter em seu seio diversas etnias. Uma etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território.

Algumas etnias constituíram sozinhas nações. Assim o caso de várias sociedades indígenas brasileiras, africanas, asiáticas, australianas, etc.. que são ou foram etnias-nações.

(...)Ou seja, o racismo hoje praticado nas sociedades contemporâneas não precisa mais do conceito de raça ou da variante biológica, ele se reformula com base nos conceitos de etnia, diferença cultural ou identidade cultural, mas as vítimas de hoje são as mesmas de ontem e as raças de ontem são as etnias de hoje. O que mudou na realidade são os termos ou conceitos, mas o esquema ideológico que subentende a dominação e a exclusão ficou intato.

(...)Tanto o conceito de raça quanto o de etnia são hoje ideologicamente manipulados. É esse duplo uso que cria confusão na mente dos jovens pesquisadores ou iniciantes. A confusão está justamente no uso não claramente definido dos conceitos de raça e etnia que se refletem bem nas expressões tais como as de "identidade racial negra", "identidade étnica negra", "identidade étnico-racial negra", etc.

(...)George Frederickson data o primeiro uso do termo "racismo" da década de 1920; portanto, podemos considerar que é um termo, podemos dizer, até recente, não existia, obviamente, na época de Kardec.

(...) Pior ainda, quando apontam o Codificador como racista, não levam em conta que, à sua época, até escravos existiam, o que Allan Kardec notoriamente combateu, não admitindo essa ignominiosa situação dos negros.

(...) Sabemos que o mestre de Kardec foi Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), que, por sua vez, foi discípulo de Jean-Jacques Rousseau (Vide: Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas.  Cap. 3. J. Herculano Pires).

Assim, por tabela, podemos dizer que Kardec também tem ligação com Rousseau. Isto é importante, porquanto estamos demonstrando aos nossos contraditores que as suas insinuações, além de inócuas, são completamente desprovidas de sentido. 

(...) Numa abordagem surpreendente, pois leva em conta a alma humana e as modificações que ela produziu no corpo físico, Rousseau vai ao encontro do que se prega no Espiritismo, valendo a pena repetir a sua inferência:

"(...) a alma humana, alterada no seio da sociedade por mil causas sempre renascentes, pela aquisição de uma multidão de reconhecimentos e de erros, pelas mudanças verificadas na constituição dos corpos, e pelo choque contínuo das paixões, mudou por assim dizer de aparência, a ponto de ser quase irreconhecível".

(...)" É fácil ver que é nessas mudanças sucessivas da constituição humana que é preciso procurar a primeira origem das diferenças, que distinguem os homens, os quais, de comum acordo, são naturalmente tão iguais entre si quanto o eram os animais de cada espécie antes de diversas causas físicas terem introduzido em alguns as variedades que notamos. Efetivamente não é concebível que essas primeiras mudanças, por quaisquer meios que se tenham realizado tenham alterado, ao mesmo tempo, e da mesma maneira, todos os indivíduos da espécie; mas, tendo uns se aperfeiçoado ou deteriorado e adquirido diversas qualidades boas ou más, que não eram inerentes à sua natureza, permaneceram os outros mais tempo em seu estado original; e tal foi, entre os homens, a primeira fonte da desigualdade, mais fácil de demonstrar assim, em geral, do que assinalar com precisão as suas verdadeiras causas."

" (...) Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles. "

"(...)Acostumados desde a infância às intempéries do ar e ao rigor das estações, exercitados no trabalho e forçados a defender, nus e sem armas, a sua vida e a sua presa contra os outros animais ferozes, ou a escapar da sua perseguição, os homens adquirem um temperamento robusto e quase inalterável."

"(...) Mas, quando as dificuldades que envolvem todas essas questões deixassem algum motivo de discutir sobre essa diferença do homem e do animal, há uma outra qualidade muito específica que os distingue, sobre a qual não pode haver contestação: é a faculdade de aperfeiçoar, a qual, com o auxílio das circunstâncias, desenvolve sucessivamente todas as outras e reside, entre nós, tanto na espécie como no indivíduo, ao passo que um animal é, no fim de alguns meses, o que será toda a vida, e sua espécie, ao cabo de mil anos, o que era no primeiro desses mil anos."

"(...)O homem selvagem, entregue pela natureza exclusivamente ao seu instinto, ou antes, indenizado do que talvez lhe falte por faculdades capazes, primeiro, de o suprir, e, em seguida, de o elevar muito acima dela, começará, pois, pelas funções puramente animais . Perceber e sentir será seu primeiro estado, que lhe será comum com todos os animais; querer e não querer, desejar e temer, serão as primeiras e quase únicas operações de sua alma, até que novas circunstâncias lhe causem novos desenvolvimentos."

"(...)Todas as crianças começam a andar de quatro pés e têm necessidade do nosso exemplo e das nossas lições para aprender a manter de pé. Há mesmo nações selvagens, tais como os hotentotes (*), que descuidam muito das crianças e as deixam caminhar com as mãos tanto tempo que depois têm muita dificuldade em se levantar."

"(...) Seja como for, está bem demonstrado que o macaco não é uma variedade do homem, não somente porque é privado da faculdade de falar, mas principalmente porque é certo que sua espécie não tem a de se aperfeiçoar, que é o caráter específico da espécie do homem." (Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martin Claret, 2006.  J. J. Rousseau, p.23 , 26, 31, 36-38,  41-44, 92-93, 105-110)

(...) Kardec falou do mesmo assunto, havendo defendido que todos os homens se tornariam perfeitos, uma vez que os Espíritos, naquilo que são em essência, estão sujeitos à lei de progresso. Contrariamente às ideias então vigentes, Kardec admitiu essa evolução também para as pessoas negras (como por exemplo, os hotentotes, que eram considerados primitivos). É daqui que deveremos tomar o significado para "homem selvagem" ou "primitivo" e, desse modo, compreender tais expressões, quando Kardec as estiver usando." (Artigo: Racismo em Kardec? A Propaganda antiespírita e a verdade doutrinária. Paulo da Silva Neto Sobrinho)

O QUE O ESPIRITISMO E ALLAN KARDEC DIZEM SOBRE A RAÇA HUMANA, O PRECONCEITO E A ESCRAVIDÃO?

Vejamos nas obras da codificação, se nelas encontramos algo que venha a justificar os ataques lançados contra a pessoa de Kardec. Transcrevemos de "O Livro dos Espíritos", primeiro livro publicado por Kardec:

53. O homem surgiu em vários pontos do globo?

"Sim, e em diversas épocas, e essa é também uma das causas da diversidade das raças. Mais tarde os homens, dispersando-se nos diferentes climas e aliando-se a outras raças, formaram novos tipos."

53-a. Essas diferenças constituem espécies distintas?

"Certamente que não; todos são da mesma família. Porventura as múltiplas variedades de um mesmo fruto o impedem de pertencer à mesma espécie?"

54. Se, pois, a espécie humana não procede de um só indivíduo, os homens devem deixar, por isso, de se considerarem irmãos?

"Todos os homens são irmãos em Deus, porque são animados pelo espírito e tendem para o mesmo fim. Quereis sempre tomar as palavras ao pé da letra."

116. Há espíritos que permanecerão para sempre nas ordens inferiores?

"Não; todos se tornarão perfeitos. Eles mudam de ordem, mais isso demora, porque, como já dissemos de outra vez, um pai justo e misericordioso não pode banir eternamente seus filhos. Pretenderíeis que Deus, tão grande, tão bom, tão justo, fosse pior do que vós mesmos?"

273. Um homem que pertence a uma raça civilizada poderia, por expiação, reencarnar numa raça selvagem?

"Sim, mas depende do gênero da expiação. Um senhor que tenha sido cruel com seus escravos poderá, por sua vez, tornar-se escravo e sofrer os maus-tratos que infligiu a outros. Aquele que exerceu o mando em certa época, pode, em nova existência, obedecer aos que se curvavam ante a sua vontade. É uma expiação que Deus lhe impõe, se ele abusou do seu poder. Um bom Espírito também pode querer encarnar no seio daquelas raças, ocupando posição influente, para fazê-las progredir. Trata-se, então, de uma missão".

 688. Há, neste momento, raças humanas que evidentemente diminuem. Chegará o momento em que terão desaparecido da Terra?

"Isto é verdade. É que outras tomaram o seu lugar, assim como outras raças um dia tomarão o lugar da vossa".

689. Os homens atuais formam uma nova criação ou são descendentes aperfeiçoados dos seres primitivos?

"São os mesmos Espíritos que voltaram, para se aperfeiçoar em novos corpos, mas que ainda estão longe da perfeição. Assim, a atual raça humana que, pelo seu crescimento, tende a invadir toda a Terra e substituir as raças que se extinguem, terá sua fase de decréscimo e de desaparição. Será substituída por outras raças mais aperfeiçoadas, que descenderão da atual, como os homens civilizados de hoje descendem dos seres brutos e selvagens dos tempos primitivos".

691. Qual é, do ponto de vista físico, o caráter distintivo e dominante das raças primitivas?

"Desenvolvimento da força bruta, à custa da força intelectual. Agora, dá-se o contrário: o homem faz mais pela inteligência do que pela força física e, não obstante, faz cem vezes mais, porque soube tirar proveito das forças na Natureza, o que não conseguem os animais".

787-b. Assim, os homens mais civilizados podem ter sido selvagens e antropófagos?

"Tu mesmo o foste mais de uma vez, antes de seres o que és".

789. Um dia o progresso reunirá todos os povos da Terra numa só nação?

"Em uma só nação, não; isto é impossível, pois da diversidade dos climas se originam costumes e necessidades diferentes, que constituem as nacionalidades, razão por que sempre será preciso que haja leis apropriadas a esses costumes e necessidades. A caridade, porém, não leva em conta as latitudes, nem distingue os homens pela cor da pele. Quando, por toda a parte, a lei de Deus servir de base à lei humana, os povos, como os indivíduos, praticarão entre si a caridade; então, viverão felizes e em paz, porque ninguém fará mal ao vizinho, nem viverá à sua custa".

830. Quando a escravidão faz parte dos costumes de um povo, os que dela se aproveitam merecem ser condenados, embora apenas se sujeitem a um hábito que lhes parece natural?

"O mal é sempre o mal e nenhum dos vossos sofismas fará que uma má ação se torne boa. Mas a responsabilidade do mal é relativa aos meios de que o homem disponha para compreendê-lo. Aquele que tira proveito da lei da escravidão é sempre culpado de violação da lei da Natureza. Mas aí, como em tudo, a culpabilidade é relativa. Como a escravidão tem feito parte dos costumes de certos povos, foi possível ao homem aproveitar-se dela, ainda que de boa-fé, como de uma coisa que lhe parecia natural. Desde, porém, que sua razão, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do Cristianismo, lhe mostrou que o escravo era um seu igual perante Deus, ele não tem mais nenhuma desculpa".

831. A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência de raças mais inteligentes?

"Sim, para as elevar, e não para embrutecê-las ainda mais pela servidão. Durante muito tempo os homens consideraram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgavam no direito de vendê-las como bestas de carga. Acreditavam ter o sangue mais puro. Insensatos! Nada veem além da matéria! Não é o sangue que deve ser mais ou menos puro, mas o Espírito".

É certo que por vezes os  brancos reencarnam em corpos negros?
" - Sim. Quando, por exemplo, um senhor maltratou um  escravo, pode pedir, como expiação, para viver num corpo de negro, a fim de sofrer por sua vez aquilo que fez sofrer e, por esse meio, adiantar-se e obter o perdão de Deus." (Revista Espírita.  Junho de 1859. Palestras familiares de além-túmulo. São Luis / Allan Kardec)

Em "O Livro dos Médiuns", o Espírito de Verdade faz a seguinte observação: "Lembrai-vos, porém, de que num país onde o  preconceito da  cor impera soberanamente, onde a escravidão criou raízes nos costumes, o Espiritismo teria sido repelido só por proclamar a reencarnação, pois que monstruosa pareceria, ao que é senhor, a ideia de vir a ser escravo e reciprocamente. Não era melhor tornar aceito primeiro o princípio geral, para mais tarde se lhe tirarem as consequências? Oh! homens! como é curta a vossa vista, para apreciar os desígnios de Deus! Sabei que nada se faz sem a sua permissão e sem um fim que as mais das vezes não podeis penetrar. Tenho-vos dito que a unidade se fará na crença espírita; ficai certos de que assim será; que as dissidências, já menos profundas, se apagarão pouco a pouco, à medida que os homens se esclarecerem e que acabarão por desaparecer completamente. Essa é a vontade de Deus, contra a qual não pode prevalecer o erro." (O Livro dos Médiuns. Segunda Parte. Cap. 27. Item 301. Allan Kardec)

Se Allan Kardec não concordasse com tais ideias, ele não teria publicado  uma outra mensagem de um Espírito no qual confirma estes ensinamentos: "Compreendei bem que todos os homens são irmãos, sejam negros ou brancos, ricos ou pobres, muçulmanos, judeus ou cristãos.  Como, para progredir, devem renascer várias vezes, conforme a revelação feita pelo Cristo, Deus permite que aqueles que foram unidos em existências anteriores, pelos laços do sangue ou da amizade, se encontrem novamente na Terra, sem se conhecerem, mas em posições relativas às expiações que devem sofrer por suas faltas passadas, de sorte que aquele que é o vosso servo pode ter sido vosso senhor em outra existência, e o infeliz a quem recusais assistência talvez seja um de vossos antepassados, do qual vos orgulhais, ou um amigo que vos foi caro. Compreendeis agora o alcance do mandamento do Decálogo: "Amarás a teu próximo como a ti mesmo"? Eis, meus amigos, a revelação que vos deve conduzir à fraternidade universal, quando ela for compreendida por todos."(Revista Espírita. Setembro de 1861. Dissertações e ensinos espíritas - Um Espírito israelita a seus correligionários. Edouard Pereyre/ Allan Kardec )  

Embora as questões que acabamos de relacionar sejam perguntas aos Espíritos Superiores, com as suas respectivas respostas, é fácil verificar também que há outros comentários de Kardec em suas demais obras, que estão em conformidade com tais ideias.

Leiamos: "(...) o Espiritismo, restituindo ao Espírito o seu verdadeiro papel na Criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, faz com que desapareçam, naturalmente, todas as distinções estabelecidas entre os homens, conforme as vantagens corporais e mundanas, sobre as quais só o orgulho fundou as castas e OS ESTÚPIDOS PRECONCEITOS DE COR." ( Revista Espírita. Outubro de 1861. Discurso do Sr. Allan Kardec. Allan Kardec)

"Nós trabalhamos para dar a fé aos que em nada creem; para espalhar uma crença que torna os homens melhores uns para com os outros; que lhes ensina a perdoar aos inimigos; a se olharem como irmãos, sem  distinção de  raça, casta, seita, cor, opinião política ou religiosa, uma crença que, numa palavra, faz nascer o verdadeiro sentimento da caridade, da fraternidade e dos deveres sociais. "(Revista Espírita. Fevereiro de 1863.  A loucura Espírita - Resposta ao Sr. Burlet, de Lyon - Ciências. Allan Kardec)

"Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade. "( A Gênese. Cap. 1. item 36. Allan Kardec)

"Considerando-se que os mesmos Espíritos podem encarnar-se tanto como homens quanto como mulheres, disso resulta que o homem que escraviza a mulher poderá ser escravizado por sua vez; que assim, trabalhando pela emancipação das mulheres, os homens trabalham pela emancipação geral e, por consequência, em proveito próprio. "(Revista Espírita. Abril de 1868. Dissertações espíritas. Allan Kardec)

"É que o Espiritismo, sem sonhar com uma igualdade quimérica, sem confundir as classes, sem pretender fazer passar todos os homens para um mesmo nível social impossível, os faz apreciar do ponto de vista diverso do prisma fascinante do mundo. Ensina ele que o pequeno pode ter sido grande na Terra, que o grande pode tornar-se pequeno e que no reino celeste as posições terrenas não são levadas em conta. É assim que, destruindo logicamente os preconceitos sociais de casta e de cor, conduz à verdadeira fraternidade. " ( Revista Espírita. Outubro de 1863. Enterro de um Espírita na Vala Comum.   Allan Kardec)

"Os privilégios de raças têm sua origem na abstração que os homens geralmente fazem do princípio espiritual, para considerar apenas o ser material exterior. Da força ou da fraqueza constitucional de uns, de uma diferença de cor em outros, do nascimento na opulência ou na miséria, da filiação consanguínea nobre ou plebeia, eles concluíram por uma superioridade ou uma inferioridade natural. Foi sobre este dado que estabeleceram suas leis sociais e os privilégios de raças. Desse ponto de vista circunscrito, eles são consequentes consigo mesmos, porque, não levando em conta senão a vida material, certas classes parecem pertencer, e com efeito pertencem, a raças diferentes.
Mas se considerarmos seu ponto de vista do ser espiritual, do ser essencial e progressivo, numa palavra, do Espírito preexistente e sobrevivente a tudo, cujo corpo é simples envoltório temporário, variando, como a roupa, de forma e de cor; se, além disso, do estudo dos seres espirituais ressalta a prova que esses seres são de uma natureza e de uma origem idênticas; que seu destino é o mesmo; que, partindo todos de um mesmo ponto, tendem ao mesmo fim; que a vida corporal é apenas um acidente, uma das fases da vida do Espírito, necessária ao seu avanço intelectual e moral; que em vista desse avanço o Espírito pode sucessivamente revestir envoltórios diversos, nascer em posições diferentes, chega-se à consequência capital da igualdade da natureza e da igualdade dos direitos sociais de todas as criaturas humanas e à abolição dos privilégios de raça. Eis o que ensina o Espiritismo." (Revista Espírita. Junho de 1867. Emancipação da mulher nos Estados Unidos. Allan  Kardec)

Diante do exposto, Paulo da Silva Neto Sobrinho afirma: "Isso vem reforçar, conforme informamos pela enésima vez, a opinião dele contrária a preconceitos, evidenciando ideias e conceitos totalmente anti-racistas, estabelecendo, como meta da humanidade, a igualdade entre todos, uma vez que, perante Deus todos nós somos completamente iguais. As desigualdades ainda existentes na sociedade, afirma ele, são criação  do homem, que um dia, finalmente, compreenderá que todos devem ser tratados de igual modo, sem nenhum tipo de privilégio e totalmente livre dos preconceitos de qualquer espécie.

Ele, Kardec, como se diz, nunca arredou pé daquilo que lhe ensinavam os Espíritos...

(...) Bom, como se vê, até aqui nada poderá ser usado como base para se acusar Kardec de racista; ao contrário, tudo quanto está colocado converge para demonstrar o seu caráter de homem universalista, admitindo direitos iguais a todos indistintamente, sem qualquer tipo de discriminação, seja por raça, por cor, etc. Inclusive, é completamente estranho alguém que defende peremptoriamente a não servidão de uns para com os outros, numa época em que ainda existia a escravidão dos negros, ser considerada, ao mesmo tempo, uma pessoa racista.

Isso somente é possível de acontecer aos indivíduos de mentalidade doentia, cujo ódio cega-lhes o entendimento." (Artigo: Racismo em Kardec? A Propaganda antiespírita e a verdade doutrinária. Paulo da Silva Neto Sobrinho)

Obs.(*): Os hotentotes constituem uma etnia negra, nativa da África do Sul, de cultura bastante primitiva. Caracterizam-se pela vida nômade, baseada na caça e na coleta, hoje combinada com a atividade pastoril e cultivos itinerantes. (Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1609200003.htm. Data da consulta: 31-12-22)

(Baseada no Artigo: Racismo em Kardec? A Propaganda antiespírita e a verdade doutrinária. Paulo da Silva Neto Sobrinho)

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