A voz do Evangelho

        Esparramado na poltrona, João Lício pensava. Sem dúvida, fora feliz nos negócios. Enriquecera. Seu nome nos bancos indicava créditos de milhões.         Que aceitava o Espiritismo, aceitava. Nenhuma Doutrina mais consoladora. Mas daí a espalhar o que havia ajuntado, isso é que não.  Meditava, assim, por haver recebido na véspera a solicitação de duzentos mil cruzeiros, da parte de amigos, para salvar grande obra periclitante. Para o montante do que possuía, a importância referida expressava migalha; entretanto, segundo refletia, já havia feito o possível. Dera grandes somas. Custeara a compra de vasto material. Cumprira com os preceitos da cooperação e da caridade.

        Sentia-se exonerado de quaisquer compromissos.

        Ainda assim, ouvira dizer que o Evangelho respondia a consultas e resolveu experimentar.

        Levantou-se. Procurou o Novo Testamento e, após recolhê-lo, tornou a sentar-se. Abriu indiscriminadamente. E caiu-lhe aos olhos a sentença de Jesus, no versículo dezenove do capítulo seis, das anotações do Apóstolo Mateus: — “Não ajunteis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem e onde os ladrões minam e roubam...” 

        Como se houvesse recebido um choque, ponderou que o trecho não apresentava significação para ele, porque sempre dera e dera muito a todas as instituições de caridade. Abriria outra vez. O Livro Divino, decerto, lhe reservava alguma consolação.

        Repetiu o movimento anterior e as páginas lhe mostraram o versículo dez do capítulo dezessete, dos apontamentos de Lucas, em que Jesus assim se expressa: — “Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer.” 

        Surpreendeu-se mais ainda. O Evangelho como que o chamava a brios. Nervoso, inquieto, consultou pela terceira vez. E o livro aberto exibiu o versículo vinte do capítulo doze, igualmente das lições de Lucas, em que a voz do Senhor solta esta frase: — “Louco, esta noite pedirão tua alma... E o que tens ajuntado para quem será?” 

        João Lício fechou o volume com mãos trêmulas. Espantado, tangido no íntimo, encerrou a consulta. E, tomando o chapéu, saiu, procurando os amigos, de modo a ver como poderia ajudar.

(A Vida Escreve. Espírito  Hilário Silva. Psicografado por Chico Xavier)

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