A lei e as frutas

        Uma lenda conta que, no deserto, as frutas eram raras, e que Deus, um dia, chamou um de seus profetas e disse: Cada pessoa só pode comer uma fruta por dia.
        O costume foi obedecido por gerações, e a ecologia do local foi preservada. Como as frutas restantes davam sementes, outras árvores surgiram.
        Em breve, toda aquela região transformou-se num solo fértil, invejado pelas outras cidades.
        O povo, porém, continuava comendo uma fruta por dia – fiel à recomendação que um antigo profeta tinha passado aos seus ancestrais.
        Além do mais, isso não deixava que os habitantes das outras aldeias se aproveitassem da farta colheita que acontecia todos os anos.
        O resultado era um só: as frutas apodreciam no chão.
        Deus, então, chamou um novo profeta e disse: Deixe que comam as frutas que quiserem. e peça que dividam a fartura com seus vizinhos.
        O profeta chegou à cidade com a nova mensagem. Terminou sendo apedrejado, pois o costume estava muito arraigado no coração e na mente de cada um dos habitantes.
        Com o tempo, os jovens da aldeia começaram a questionar aquele costume bárbaro.  Mas, como a tradição dos mais velhos era intocável, eles resolveram afastar-se da religião. Assim, podiam comer quantas frutas quisessem e dar o restante para os que necessitavam de alimento.
        Participando dos costumes e crenças antigos só ficaram os que se achavam santos, seguidores da religião. Em verdade, eram pessoas incapazes de enxergar que o mundo se transforma e que devemos nos transformar com ele.

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        Há muito o que se refletir sobre essas questões. Algumas delas são muito delicadas, pois colocam em xeque nossas crenças antigas, arraigadas há muito tempo.
        Nos tempos antigos havia a necessidade da imposição de ideias, pois o homem ainda não tinha a capacidade de discernir o certo do errado – sua formação intelectual engatinhava.
        A história da origem de quase todos os povos antigos se confunde com a da religião deles, donde o terem sido religiosos os seus primeiros livros. E como todas as religiões se ligam ao princípio das coisas, que é também o da Humanidade, elas deram, sobre a formação e o arranjo do Universo, explicações em concordância com o estado dos conhecimentos da época e de seus fundadores. Daí resultou que os primeiros livros sagrados foram ao mesmo tempo os primeiros livros de ciência, como foram, durante largo período, o código único das leis civis.
        Ao longo do tempo, a Humanidade começou a querer respostas, a buscar mais esclarecimentos sobre sua própria existência, e foi encontrando sempre portas fechadas.
        Muitos se afastaram da religião, pois ela não respondia de forma satisfatória aos seus questionamentos mais profundos.
        Além disso, muitos perceberam que os templos misturavam conceitos religiosos com os interesses políticos e algumas instituições religiosas desprezavam a ciência para defender trechos das Antigas Escrituras que não souberam interpretar.
        Dessa maneira, poderíamos questionar: as religiãos antigas estão erradas, deveríamos desprezá-las? Não, certamente que não. Todas as religiões  antigas possuem gérmens de grandes verdades. Embora haja desvios de interesses ou interpretações erradas, todas possuem o mesmo príncipio que é “amai-vos uns aos outros”, base imortal dos ensinos de Jesus.
        As leis de Deus continuam as mesmas, pois são atemporais e imutáveis. As leis humanas são variáveis e progressivas. Antes não tínhamos condições de compreender isto, mas hoje com o desenvolvimento da inteligência e da moral devemos saber diferenciá-las.
        Assim como um dia nos foi provado que o mundo não era plano, ao contrário do que acreditávamos; ou que a Terra estava longe de ser o centro do Universo, vamos descobrindo novas realidades, como a existência do Espírito, a mediunidade e a reencarnação.
        Tudo é apenas uma questão de tempo.
        Não sejamos aqueles que continuam comendo apenas uma fruta por dia – relembrando a lenda – e sim aqueles que, através da razão, da inteligência e do coração, estamos dispostos a nos alimentar dos frutos da mudança, do progresso e da transformação.  
        Pensemos nisso!
(Fonte: Redação do Momento Espírita, com base no texto  "A lei e as frutas" , do livro Histórias para pais, filhos e netos , de Paulo Coelho, ed. Globo. Explicação adaptada com base no Cap. 4 do livro "A Gênese" de Allan Kardec.)

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