Resumo - Francisco de Assis

            Francisco de Assis desceu à Terra em meio de enorme e terrível carnificina. A Idade Média fazia do mundo um palco nefando de ódio e de vingança.

            (...)Aqui nos referimos às Cruzadas e, principalmente, àquelas em que sucumbiram mais de quatrocentas mil crianças, Espíritos esses que, mesmos em corpos de inocentes, eram velhos devedores perante as leis divinas e que, levados pelas trevas, foram passados a fio de espada.

            (...)Foram as Cruzadas o embalo execrável das trevas, como advento da Inquisição, e João Evangelista, como vigilante da Espiritualidade Maior, regressou como Francisco de Assis, com a missão sagrada de aliviar, por misericórdia, o fardo pesado que estava sendo imposto pelas Cruzadas aos ombros dos homens.(Francisco de Assis.Cap. 2. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...) João Evangelista desce em Assis. Anda nas suas desajeitadas mas, analisa as almas dos dois planos, que transitam sem se perceberem umas às outras. Ali deveria nascer, bastando-lhe escolher o lugar e a família. (...) O velho discípulo do Cristo estava na Terra para vestir novamente o fardo a carne e servir à humanidade. Assis lhe emprestaria um panorama agradável. Era uma província de Perúsia, na região da Úmbria, onde o comércio era sobremodo avolumado, atraindo a atenção dos grandes comerciantes do país. Não era de se assombrar, se os turistas encontravam ali objetos procedentes da Grécia, da Pérsia, Fenícia, do Egito, bem como amuletos de todas as procedências, decorações da Síria, tecidos da Ásia Menor e bebidas de variadas origens. Era ali, onde se encontrava abastado comerciante com a sua jovem família, em luxuosa mansão, o berço em que deveria nascer uma estrela, deslocada da grande constelação cristã no país da luz, que receberia o nome de FRANCISCO.

            Pedro Bernardone, alto comerciante de Assis, não saberia que um astro, por misericórdia de Deus, viria habitar em seu lar, talvez lhe trazendo aparentes contrariedades, pois a sua missão diferia completamente da de um comerciante, cujo raciocínio era somente a barganha das coisas materiais, para que estas se multiplicassem. Seu futuro filho traria outra missão frente ao mundo conturbado e materialista, condenado e suspeito. (Francisco de Assis.Cap. 6. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...)O espírito João Evangelista escolhera aquele lar para renascer, não por causa do luxo, mas por estar ali um conjunto de almas que lhe tinham sido caras em épocas recuadas da história. (Francisco de Assis.Cap. 7. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            Pedro Bemardone, certa noite, teve um sonho que ficou gravado com absoluta nitidez em sua consciência. Em estado sonambúlico e com ajuda espiritual, regrediu no tempo e no espaço, e relembrou sua reencarnação em Efeso, na época em que João Evangelista mudara de nome para Francisco (obs.:frase adaptada). Pedro Bemardone era um dos leprosos curados por Pai Francisco, e, eternamente agradecido, tomou-o por um deus ingressado na carne para salvação dos homens.

            (...) Pedro Bemardone não se esquecia de Pai Francisco depois deste sonho... No entanto, o nome de seu benfeitor ficara gravado no coração, com o maior respeito. E sempre dizia de si para consigo:

- Se porventura alguém vier a me chamar de pai, este alguém se chamará Francisco.(Francisco de Assis.Cap. 8. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...)O calendário marcava 26 de setembro de 1182. O dia amanhecera mostrando límpido céu azul e o sol concedia seus raios nascentes, em diáfana claridade. (...) Nascia Francisco, como Jesus, na pureza da natureza e na companhia singela dos animais. (...)E Maria Picallini recebeu o seu filho das mãos de Jarla(1)... (...) E falou com a maior ternura que uma mãe feliz possa expressar:

            - O nome dele é JOÃO...

            Quando seu filho nasceu, Pedro Bernardone estava viajando, em função de seu entusiasmo, que não se arrefecia, diante do ouro que já possuía. Ao saber da notícia, explodiu de contentamento, já com velhos cálculos envernizados para o destino do seu filho. Queria educá-lo, mas acima da educação, instruí-lo acerca da economia. Fazê-lo nobre, mas que a sua nobreza fosse assegurada pelo ouro, para não se desfazer.

            (...)O afoito comerciante ia-se virando nos calcanhares, quando a voz branda de Pica se fez ouvir:

            - Pedro querido, quero participar-te o nome do nosso filho, e sentiria a maior satisfação se aprovasses o que escolhi! Tive vários sonhos com ele, antes de seu nascimento, e o seu nome era João.

            (...)Pedro, inquieto, corou na mesma hora, dizendo:

            - Não posso concordar que o nosso filho se chame João!... Não me peça o impossível!... Tenho um compromisso moral, de muito tempo, que de certa maneira está ligado a sonho.

            A mulher do rico comerciante, tristonha, silenciou, sem dar uma palavra. Jarla tentou interferir, mas Pedro a interrompeu:

            - Obedece aos meus direitos de pai da criança!... Não me peças o impossível. Já firmei na consciência esse nome, e ele, este bravo guerreiro se chamará FRANCISCO. (Francisco de Assis.Cap. 10. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...)Como um Anjo em estado de repouso, Francisco, nos primeiros anos, obedecia mais ao comando mental de sua mãe, e recebia alguma influência de Jarla.

            Dos sete aos catorze anos, a mente do pai passou a intervir mais, dividindo as influências. Dessa fase à maioridade, o pai assumiu a liderança e, daí em diante como Espírito superior, ninguém o segurava.

            (...)Era notório, na mansuetude dos primeiros anos de Francisco, o reflexo da sua genitora. A seguir, apresentavam alguns impulsos de seu pai, viajando com este para muitos lugares, conhecendo cidades famosas, e participando com ele do conforto e da fama. O rico comerciante de Assis estava eufórico, alimentando, no coração, a certeza de que Francisco, de fato, herdara as suas proezas de hábil permutador dos bens terrenos, na multiplicação do ouro e da prata.

            (...)Francisco era Espírito livre, desconhecendo, desde criança, força que não pudesse dominar. (...)Encantava-se com os pássaros, e admirava os peixes e as árvores. Logo cedeu aos convites de seus colegas da mesma idade, e se fez um grande seresteiro nas ruas de Assis. A sua fama fê-lo visitar outras cidades vizinhas, para cantarolar nas ruas, no silêncio das madrugadas. (...)A bebida, que não lhe tomava os sentimentos, era simples complemento da alegria. As conversações que travava com os seus colegas eram de alto teor, tanto que todos o adoravam, e quando Francisco não aparecia, tornava-se noite para todos os seus companheiros, fugindo-lhes a alegria. O campo era o lugar mais apreciado por ele, onde gostava de fazer excursões a cavalo, nos dias de folga. Contava histórias que lhe vinham à mente e alegrava-se em ouvi-las dos que faziam o mesmo. Ser livre era o ideal do seu coração.

            (...) Certa feita, o pai começou a aborrecer- se com ele, percebendo o modo como tratava os empregados e o cunho de sinceridade que demonstrava aos fregueses. Chamou-o à ordem, querendo demonstrar-lhe que a verdade comercial é diferente da verdade do coração, sendo uma incompatível com a outra. Se assim continuasse, se arriscaria a prejudicar a posição financeira que desfrutavam em Assis e em toda a Itália.

            (...) O rapaz ouviu silenciosamente, sem que o seu íntimo participasse das ideias do pai. (...)Tivera oportunidade de conhecer, junto ao pai, cidades e países onde o roubo e a mentira eram frequentes e o fingimento, o sinal mais evidente do bom comerciante. Aparentemente, ainda tolerava alguma coisa, mas, no íntimo, não suportava a podridão que fermentava dentro da cabeça dos homens, incluindo seu próprio pai.

            Sendo difícil para ele conviver com aquele estado de coisas, tinha ímpetos de renunciar e partir da própria casa onde morava.(Francisco de Assis.Cap. 11. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            Os fatos espirituais exerciam sobre ele grande influência tanto gostava das histórias de Jesus que sua mãe e Jarla contavam, como sentia uma saudade atávica da época do Mestre, como se tivesse participado intimamente de todos os detalhes de sua vida.

            (...)A sua mente era um fulcro de ideias intermináveis; parecia um desfile constante de pensamentos, entre os quais ele escolhia os mais agradáveis, os que mais se coadunassem com os seus sentimentos. Notava-se uma claridade diferente e torno dele; (...)Naquela hora, ele estava encontrando com Deus. Pondo-se de joelhos, falou com benevolência:

            - Pai Celestial!... Sinto que nasci para alguma coisa, nesta Terra abençoada Sou como ave solitária, que o cansaço fez descer nesta região. A cidade de Assis acolheu-me com carinho e nesta mansão desfruto do luxo; o ouro convida-me extravagâncias, que meu coração desaprova, intentando convencer-me de que o meu caminho é diferente, e que devo fazer alguma coisa em favor dos surdos e cegos que andam comigo...

            Pai de todas as coisas!... Que devo fazer? Onde devo pisar? Que de comer? Qual deve ser a minha maior preocupação? Alivia, meu Deus, esta guerra que eclodiu na minha frágil mente. Eu quero a paz! ...

            (...)Francisco estava inundado de luz! (...) Era o encontro do Mestre com o discípulo. O jovem escutava com serenidade, dentro de si: Francisco!...Sê dócil, meu filho, aos teus irmãos!... Ajuda-os sem os violentar, e compreende, sem exagero, que o trabalho é demorado. (...) A Igreja precisa do teu trabalho, da tua vivência e do teu sacrifício, não para reformá-la de uma só vez, mas para fazê-los com continuados exemplos e a ajuda de milhares de trabalhadores....

            (...)Aquela voz suave e grave, meiga e ao mesmo tempo enérgica, branda e atrativa, de um poder sem limites, introjetou no campo mental de Francisco todo o arsenal doutrinário das instâncias de luz.

            (...)Operavam-se em Francisco grandes mudanças. O pai já estava preocupado com ele, que por vários dias de nada cuidara, somente andando, conversando com servos e empregados, não dando atenção, como antes, às ordens de Pedro Bemardone. Despertava-se nele a sua real personalidade, bem como a conscientização do que deveria fazer. Era como se outro Francisco estivesse surgindo...(Francisco de Assis.Cap. 13. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...) Francisco ganhara, há anos atrás, um Evangelho. E tanto se afeiçoara a ele, que dele não se separava nem para dormir.

Maria Picallini e Jarla, juntamente com Foli (2), tinham saído para um curto passeio. Pedro Bernardone estava descansando, porque era uma tarde de domingo. Francisco foi entrando na mansão, pensativo... Cumprimentou o pai, disfarçando a tristeza:

            - Boa tarde, papai; como vai o senhor?

            - Vou bem, filho!... Quero muito falar-te e não posso esperar mais. Estou aqui há horas, à tua espera.

            - Desculpa-me, papai, não sabia...

            - Olha, Francisco, não estou compreendendo o modo pelo qual tu estás te conduzindo; a tua mudança me estranha. Parece que não te interessas mais pelo comércio, como dantes. (...)Conversas constantemente com os servos, deixando transparecer alegria e bondade. Ficas horas afio dialogando com capatazes, com mulheres e por vezes crianças, sem que eles respeitem a tua posição de nobre. (...)Como teu pai, peço-te que te afastes desses tipos imundos. Eles vieram ao mundo, meu filho, para nos servir, qual os bois, os cavalos, os cães... Se te compadeceres exageradamente do sofrimento desses homens, nivelar-te-ás com eles e acabarás sendo um deles...

            (...)Pedro Bemardone continuou:

            - Quero também que saibas de uma coisa com bastante urgência: não podes dar a qualquer pessoa algo do que nos pertence, sem a minha ordem; ainda estou vivo, e, essa linha de conduta, é bom que apliques igualmente, no futuro aos teus filhos, se os tiveres...

            (...)Francisco ouvia tudo pacientemente...

            O filho de Pedro Bernardone quis levantar e protestar veementemente contra as ideias do pai, no entanto, o bom senso fê-lo quieto...

            (...)Pedro começou a alterar a palavra, dizendo:

            - Meu filho! E bom que aprendas a obediência, sem que eu use a violência; que aprendas o trabalho, do modo que requerem as nossas condições, sem que eu te imponha este dever. Que mudes a tua conduta diante dos servos, sem que eu te ensine pela força!

            (...)Pedro jogou-se em um confortável triclínio e esperou a fala do filho. Os seus nervos saltavam, como que eletrizados pela consciência. Seu coração se mostrava alterado dentro do peito. Francisco, pressentindo o desespero do pai, argumentou com brandura:

            - Papai, estou encontrando dificuldades para começar a responder-te; (...)Para mim, são sagrados os laços de família, entretanto, os laços com a Verdade o são muito mais. Acho que o homem nobre, consoante conceituas a nobreza, nem sempre faz o que quer, mas sim a vontade d'Aquele que está nos céus.

            Francisco respirou profundamente, deu uma volta em tomo do pai, e argumentou sem cansaço:

            - (...) Não quero que libertes os cativos, mas sim, que os trates com mais humanidade. Minha mãe e Jarla são um exemplo de virtude. Por que não procuras um tempinho para ouvi-las? Seria isso para ti, um grande tesouro, senão uma luz que espalharia as trevas da ganância que te envolve. Francisco silenciou-se... Pedro Bernardone saiu do afogo, balançou a cabeça e, como que jogando fora as ideias do filho, berrou estentoricamente:

            - Cala-te!... Cala-te, Francisco!... Senão te parto ao meio!

            O rapaz olhou para ele compassivamente, dizendo: - Vou calar-me, papai, não por medo, mas por já ter terminado o assunto!

            O pai avançou em sua direção e esbofeteou o seu rosto várias vezes, mas o filho somente derramou lágrimas de compaixão. E saiu pisando duro em demanda de seus colegas de usura, que já o esperavam para uma reunião, que se dava todos os domingos à noite.

            Francisco se deitara pensando no seu destino. (...)Pensava, já que não podia ser útil no próprio lar e ajudar seu pai poderia ajudar sua terra natal, que entrara em guerra com a Perúsia (3). Um homem pode ser útil também na guerra, defendendo a região à qual pertence. Quem sabe deveria ser, mais tarde, um grande general? Mas, pegar na espada para matar? Isso era contrário ao seu modo de sentir as coisas; contudo, não tinha outra saída, não poderia ficar parado, maltratado por seu pai, que não compreendera seus ideais. Poderia, com a sua ida à frente de batalha, ganhar nome, e, pela fama, defender os sofredores, aliviar os cativos, e até matar a fome dos necessitados. Estava resolvido: iria alistar-se na cavalaria. Iria como nobre, para defender a nobreza de caráter do povo de Assis. (...)Roma tomara-se um grande império feudal e o seu crescimento fê-la enfraquecer: eram cidades e mais cidades querendo libertar-se das condições impostas pelo estado reinante e Assis era uma delas. Daí a semanas, Francisco era um soldado, empunhando armas nos campos de batalha. Sua mãe e Jarla quase enlouqueceram com a ideia de Francisco ser miliciano, de pegar em armas, de matar... não podiam compreender.

            (...)Francisco, daí a tempos, recebeu um adestrado cavalo, e dele fez seu grande amigo. Nos arredores de Assis, as tropas se exercitavam todos os dias, divididas em duas alas em acirrados combates. (...)Nessas manobras de cavalaria, das quais era um dos nobres cavaleiros, Francisco fizera grandes amizades.

            Uma das mais sólidas foi com o nobre Shaolin, moço esbelto e esperto de boa cultura e fantástica memória, que nunca precisava ler algo duas vezes.

            (...)Em acirrada batalha, Francisco foi encurralado pelos inimigos; Shaolin avançou em sua defesa, e caiu igualmente no cerco, sendo ambos aprisionados. Foram atados a uma árvore, até que cessasse o combate, após o que foram levados como presos valiosos. Suas vestes denunciaram que eram nobres...

            Na prisão coletiva, Francisco e Shaolin compreenderam que libertar Assis do jugo romano não era a tarefa mais importante.

            (...)Francisco e Shaolin, conversando demoradamente na prisão, encontraram a Ponta da meada dos seus deveres. Matar não seria a solução, tomar uma cidade, duas ou mais, não iria resolver os problemas. Destruir seria muito pior... "Vamos Shaolin", disse o filho de Bemardone, "analisar mais profundamente o Cristo, e segui-Lo, que Jamais erraremos".

            (...) O filho de Pica, mesmo na prisão, sentia-se livre, pelo muito que estava recebendo da Graça Divina. No entanto, o maltrato a que não estava acostumado fê-lo definhar; perdera quase por completo o sono e o único ruído que emitia era a tosse, que incomodava os outros prisioneiros. (...)Francisco foi removido do cárcere, devido ao seu estado, e em seguida foi solto, favorecido por leis que garantem o ser humano, nas horas em que o desequilíbrio assoma ao mundo biológico...

            (...)Francisco regressou à casa desfeito e combalido. Os bacilos de Koch, que não eram conhecidos naquela época, invadiram-lhe os tecidos pulmonares, numa guerra interna, na qual iriam se destruir mutuamente. Apesar disso, seu regresso foi motivo de alegria para todos, menos para Pedro, que jamais esperara que seu filho voltasse derrotado como um nada, na soma dos valores da família, atribuindo tudo isso à influência de sua mãe e da velha grega.

            Francisco, entre a vida e a morte, delirava. Pica e Jarla não saíam da cabeceira do rapaz, e intercalavam os xaropes com orações.

            (...)O moço de Assis emagrecera assustadoramente, mas, enfim, numa manhã, um tanto quanto renovado, abriu os olhos. Parecia estar voltando de uma grande viagem.

            (...)Daí a algumas semanas, via-se Francisco andando apoiado em um bastão, no grande quintal da mansão, e a moçada de Assis não o deixava a sós... Francisco era amado por todos, principalmente pela juventude.

            (...)Francisco, já bem disposto, pensou em alistar-se na Cruzada, pois nela ía defender uma causa nobre, e em Assis havia um posto de alistamento, do qual o bispo fizera chefe por ordem do papa Inocêncio III. Deveria ser intuição divina, pois até se crianças estavam se alistando, abandonando seus pais para servirem cegamente a Deus à causa da Igreja. Por que ele, um rapaz, não faria o mesmo?...(Francisco de Assis.Cap. 14. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...) Francisco era alma impetuosa em suas decisões, todavia, vibrava em seu coração a obediência às leis de Deus.

            (...)O filho de Dona Maria Picallini estava inquieto, preocupado com o que deveria fazer. Tinha-se alistado em defesa de Assis, terra que o recebera como filho do coração, onde depois fora derrotado e preso, jogado numa cela qual um cão. A violência dos milicianos que o prenderam e que não respeitavam os seres humanos fazia-o lembrar-se de seu pai.

            (...) Meditou demais nas guerras religiosas como, por exemplo, nas Cruzadas, que já duravam muitos anos. E por quê? Por causa de um sepulcro vazio...

            (...) Lembrou-se fortemente do Evangelho, senão de Jesus, e pediu a Deus, no íntimo d'alma, para lhe clarear o caminho, ora duvidoso. Entrou como em ligeiro sono e ouviu uma voz, a mesma voz sua companheira, que lhe falou nestes termos:

            - Francisco!... Constrói a minha Igreja!...

            - Francisco!... Constrói a minha Igreja!...

            - Francisco!... Constrói a minha Igreja!...

            (...)E Francisco, na vigília, ora no corpo, ora fora dele, tomou a perceber como um cântico dos Céus:

            - Meu filho!... (...)Auxilia a Igreja, que está enfraquecendo nos seus mais sagrados pilares, porque a verdade está sendo destorcida em demasia.

            (...)Francisco!... Reforma a minha igreja, ajuda-a a reconsiderar o que fez, tomando outros caminhos melhores, mais justos e mais brandos. E quando quiseres a minha companhia, sabes onde estou? (...)Estou ao lado dos que ajudam por Amor. Eu estou, Francisco, onde quase ninguém me busca.

            (...)A voz, antes meiga e dominante, viva e presente em todo o corpo de Francisco, se desfez no cosmo como por encanto. Ele, estonteado, voltou a si, como se estivesse chegando de uma grande viagem. Passou as mãos no rosto e olhou para os lados, procurando alguém cuja presença pressentia, mas nada viu.

            (...)Francisco chegou à casa abatido, ainda sentindo o corpo como um aparelho frágil; porém, intimamente, ouvia o rugir do leão como uma força descomunal começava a crescer dentro do seu coração, que se aliava à sua lúcida inteligência: era a volta do Cristo pelas vias da sua consciência.

            (...)Entrou em seus aposentos e, em vez de se deitar em sua luxuosa cama, deitou-se no chão, removendo para o lado o grosso tapete, a fim de sentir o piso duro na própria carne, como os sofredores, como os escravos em corrigenda. A sua mente era um fulcro renovador...

            (...)Francisco levantou-se consubstanciado no Amor e na Caridade, procurou seus familiares.

            (...)Abraçou a mãe, beijando-a como de costume, e também Jarla, abraçando-a na candura peculiar dos Anjos.

            O jovem iniciou com elas uma das mais sérias conversas de sua vida, decisão que iria repercutir, ainda que ele não soubesse, em milhares de pessoas e mudar o destino de muitas criaturas.

            Francisco falou com simplicidade e mansidão:

            - Tomei uma decisão definitiva para a minha vida. Estava enganado, quando me alistei na guerra de Assis com a Perúsia, guerra essa como todas as outras, que objetivava unicamente a usura, o egoísmo e o orgulho, que depreciava o ser humano. (...)Fui chamado para uma guerra, porém diferente da dos homens; para a guerra de Deus, onde o que Ele verdadeiramente quer é a luta permanente comigo mesmo, em que eu possa induzir os outros a fazerem o mesmo. Trata-se de guerra para introduzir a paz na consciência. Sei que serei perseguido, maltratado, difamado e desprezado; não importa os homens, quero ficar com Deus. Quero seguir os caminhos de Jesus Cristo e ser abençoado por Maria Santíssima; quero, minhas irmãs, ter paz na consciência, por cumprir o meu dever de homem reto, de homem justo, que faz do Amor a sua melhor arma de combate.

            (...)De hoje em diante me considero livre dos bens terrenos e de família, de parentes e amigos, que não entenderem as minhas resoluções...

            (...)Não quero, se me permitis, nem herança de nome; ficarei com o simples Francisco, e se os céus permitirem, o sobrenome de Assis, onde devo começar a trabalhar sem demora.

            (...)Jarla olhou para Francisco, e viu que ele estava envolto de luz; olhou para Pica e viu que ela também havia percebido isso e que seus olhos vertiam grossas lágrimas, sentindo no coração a realidade do que ouvira.

            (...) Saiu do palácio agradecido a seu pai, mesmo ausente. Agradeceu à querida mãe, à Jarla e à Foli. (...) E saiu da casa de seus pais.

            (...)Como a voz lhe tinha pedido para reconstruir a Igreja, tomou como ponto de inspiração a pequena igreja da localidade, de nome São Damião.                 Saiu pedindo de porta em porta, não mais como nobre, porém, como homem comum, como filho de Deus e discípulo de Cristo, ajuda para reconstruir a pequena igreja, contando o ocorrido com ele. E quase todos iam lhe ofertando o que podiam para a reconstrução da velha casa de Deus. E neste ingente esforço, apareceram muitas mãos para ajudá-lo no empreendimento e, cantando louvores ao Senhor, por aquele entusiasmo, sentiu no coração que aquele caminho era por excelência o seu roteiro - o da reconstrução, o de levantar alguma coisa caída, de laborar no engrandecimento da fé e da obra de Nosso Senhor Jesus Cristo.

            (...) Pedro Bernardone, quando viu seu filho, que criara com orgulho, pedindo esmolas, sem nem pelo menos escolher onde pedia, ferveu-lhe o sangue nas veias e quase perdeu a cabeça. Mostrou aos dois servidores, a quem eles deveriam raptar, e foi para a mansão esperar o resultado, já com tudo preparado sobre o que deveria fazer.

            Daí a duas horas, chegaram os seus homens com a presa dentro de um grande saco; ainda amordaçado, Francisco foi levado para o porão do palácio, onde o pai o libertou à luz das candeias. Pedro Bernardone pensava que ia encontrar o filho envergonhado e abatido diante dele; entretanto, este saiu de dentro do saco dizendo.

            - A paz seja contigo, meu pai. A paz de Deus e de Jesus Cristo!

            O pai olhou para Francisco com ódio redobrado, e falou agressivo:

            (...) - O teu lugar é aí, até que o tempo possa te despertar para a realidade da vida. Queres viver de sonhos, como pássaro, sendo homem. Que o teu Deus se compadeça de ti!

            Fechou a porta e saiu alterado na sua personalidade, gritando para sua mulher e Jarla, que logo vieram correndo:

            - Não quero que tirem esse moço da cela; ele deve ficar preso até a minha volta, que não sei quando se dará! Quem não cumprir as minhas ordens pagará caro pela desobediência! (Francisco de Assis.Cap. 15. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            Ficara ali três dias, já se mostrando cansado; contudo, foi um ótimo remédio para os seus sentimentos, pois estava apurando a sua verdadeira força espiritual, limpando os canais da intuição, que o levava a grandes êxtases.

            (...)Sua mãe, Jarla e Foli não suportavam mais o sofrimento, ao verem Francisco naquele estado de desnutrição e obediência às forças das trevas, e em uma manhã, dona Maria Picallini acordou resoluta, falando às duas:

            - De agora em diante, não obedeço mais às ordens do meu marido; ele esta passando dos limites e a tolerância começa a se transformar em aceitação cruel, que falsifica os bons sentimentos....

            (...)Francisco reconheceu que a sua mãe falava diferente das outras vezes sentia que realmente era aquela voz que ele esperava, para decidir a enfrentar todos os obstáculos que surgissem. Saiu com as mulheres, cambaleante, sem forças, mas feliz. Sem pensar no que poderia acontecer quando seu pai chegasse, entregou tudo a Deus e estava confiante em Jesus Cristo...

            (...)Francisco partiu decidido para o trabalho, dando continuidade à reconstrução da pequena igreja de São Damião.

            (...)A história nos conta que Francisco bateu à porta de um padre, cuja residência impressionava pela beleza e conforto, pois era o único herdeiro de família riquíssima, radicada em Espoleto...Vendo na casa do padre muitas pedras trabalhadas, pediu-as para a reconstrução da casa de Deus; mas o padre, com seu porte de fidalguia, mostrando uma batina bem cuidada -(...) respondeu com rispidez:

            - Não posso dar essas pedras, meu rapaz; ainda mais, não sei se tens ordens para restauração de igrejas aqui em Assis...Mas se insistes, eu posso vendê-las por um preço que não foge ao natural. Mas se insistes, eu posso vendê-las por um preço que não foge ao natural.

            Entretanto, após receber o dinheiro de Francisco, o Padre sentiu-se envergonhado, lembrou-se da sua missão diante da Igreja, do juramento que fizera com a mão no Evangelho, colocando mentalmente o Cristo no coração (frase adaptada). (...) Sentiu-se impaciente dentro daquela casa e, naquela noite, pediu aos servos para dormir junto a eles, ao lado do palácio, em tosca cabana, onde não existiam catres, mas capim moído, acomodado em grandes sacos, cujo pano fora obra dos próprios escravos nas horas de folga. O padre sentiu-se feliz, estirado em uma enxerga, onde o odor não era dos melhores. Os escravos nada diziam pelos sons dos lábios, temendo o patrão, mas pensavam: "Será que o padre ficou perturbado?"(...)

            No entanto, o vigário estava renovado de atitudes. Mãos inchadas e ainda quentes, procurou Francisco, e o encontrou trabalhando e cantando de alegria na restauração da Igreja de São Damião. E, com ele, muitos outros companheiros, afinados para o trabalho que os Céus convocara.

            Francisco notou que o padre chegara de mansinho, pedindo licença com humildade, dizendo:

            - Filho, venho ao teu encalço em busca da paz que não tenho. Fui acusado pelo tribunal mais rigosroso do mundo: o tribunal da consciência. (...)Não sou digno de ser sacerdote de Cristo, e em breves horas devo abandonar esta batina para aliviar as tensões do meu íntimo e meditar o que devo fazer na vida e da vida. Quero e há muito tempo sinto que preciso do Cristo em mim; no entanto, esqueci como os discípulos de Jesus viviam, as renúncias aplicadas por eles, a renovação interior neles verificada e a educação dos impulsos inferiores que nunca exercitei, por não encontrar talvez estímulo onde me ordenei sacerdote...

            (...)Todos ficaram emocionados com a resolução do padre, e Francisco sentiu-se imensamente gratificado com o fruto das suas atitudes em defesa da Igreja e da própria doutrina cristã. Dirigiu-se ao sacerdote com simplicidade, pegou as suas mãos bem tratadas... E ele, mesmo naquele porte nobre, abraçou as pedras para o serviço reparador.

            (...)A casa do sacerdote, daquele dia em diante, era para os sem teto, e lá se formou uma comunidade de amparo aos sofredores de toda ordem o seu sítio em Rivotorto foi transformado em acampamento para os primeiros discípulos de Francisco de Assis. Ali reuniram, dentro da maior simplicidade, companheiros dedicados e decididos a acompanharem Francisco em seu esquema de pobreza e renúncia, no início de uma transformação social, lembrando com amor e cuidado os primeiros tempos do Cristianismo.

            (...) Depois, com o tempo e as bênçãos de Deus, como ele mesmo dizia, multiplicaram-se os seus seguidores por todo o mundo. Foram mais de duzentos mil discípulos de Francisco de Assis, que por onde passavam deixavam as sementes do Evangelho, aquelas que tinham o perfume dos primeiros dias do cristianismo de Jesus.

            Um que se destacou com grande expressão com todo o mundo, e que hoje é venerado por muitos povos, foi Antônio de Pádua, cuja estrela figura corno de primeira grandeza nos céus das ordens franciscanas.

            (...)Francisco foi à Roma. Sentiu necessidade de ir ao encontro do papa, para que este desse ordem, para que ele se movimentasse no seio da Igreja Católica Apostólica Romana, mesmo sem ser padre, pois pertencia à religião pelo coração. Compreendia a sua missão dentro da comunidade religiosa, que tinha em Pedro o Apóstolo, o primeiro papa, e para isso, necessário se fazia que o clero fizesse algumas mudanças, pelo exemplo de alguém, na vivência de cada dia..

            (...) Era papa àquela época, Inocêncio III, italiano que governou dezoito anos, seis meses nove dias, os destinos da Igreja Católica Apostólica Romana, do ano de 1198 a 1216. Francisco chegou à Cidade Eterna, fazendo anunciar a sua necessidade e falar com o papa. Com muito custo, conseguiu que a sua pretensão chegasse até o mandatário da Igreja, pois os intermediários criavam barreira de difícil transposição, entre o Vaticano e os visitantes. Somente havia fácil acesso quando estes fossem enviados por nobres, reis ou altos mandatários de outros países. E Francisco, um punhado de acompanhantes maltrapilhos, não tinha chance de conversar com corte do clero.

            As vestes de Francisco de Assis, como de seus companheiros, eram de sacos, daqueles que já haviam servido em outras atividades, presos na cintura por cordões trançados pelas suas próprias mãos. E assim, dentro dessa simplicidade, chegaram ao Vaticano, para falar com o papa Inocêncio III.

            (...) Francisco (...) enviou, pelas linhas competentes, anúncios ao Papa Inocêncio III, de que tinha urgência em falar-lhe...

            O papa meditou alguns instantes sobre o assunto, e disse com parcimônia.

            - Diga-lhes para voltarem outro dia. Tomou a pensar, e terminou sua curta frase:

            - Se for mesmo coisa interessante e para o bem da Igreja, voltarão quantas vezes forem necessárias. Se estiverem realmente brincando com as coisas divinas, desistirão.

            O assistente papal voltou velozmente, a fim de ficar livre daqueles homens mal dentro do Vaticano, e transmitiu o recado de Sua Santidade...

            (...)Retornara várias vezes para falar com o papa, nunca o conseguindo. Eram sempre as desculpas: que o Santo Padre estava ocupado, que sua agenda estava completa, Sua Santidade estava cansado de tantos atendimentos... Até que, após várias tentativas, Francisco foi despachado de vez: o papa não poderia recebê-lo.

            (...)Francisco, não podendo falar com o Papa Inocêncio III, enviou-lhe alguns tópicos das regras, nas quais iria basear a vida de todos os franciscanos, e inspirava-se nas passagens do Evangelho, para maior segurança do que estava falando ao Homem de Deus e seus cardeais:

            "Rogamos a Deus e a Nosso Senhor Jesus Cristo que nos abençoe pelas mãos de Vossa Santidade. Seríamos muito felizes se Deus nos permitisse o diálogo com Vossa Santidade.  (...) Respeitamos muito a nossa Igreja pelo que ela é e pelo que tem feito em favor da coletividade; todavia, existem no seio da nossa amada religião desvios que o coração em Cristo não pode suportar. O ouro acumulado gera guerras e as guerras pedem mais ouro. Das guerras e do ouro, gera-se um filho destruidor dos povos, que se chama egoísmo; deste, nascem a prepotência e a perseguição. E onde fica o Cristo, nesse ente de revolta? E quem tem coragem de pregar o Evangelho nessa atmosfera contradições?

            (...)A carta chegou à Table Sagrada e foi levada à mesa de conferências, e lida na reunião por ordem do próprio papa.

            O cardeal que a leu era João de São Paulo, homem de reconhecidas cristão que já tinha sentido o Cristo interno falar-lhe ao coração. Quando começou a leitura, os seus sentidos deram sinais de que concordava com aquele nern que escrevera, e a vontade de conhecê- lo subiu-lhe à mente e pensou:

            "Esse homem é destemido e deve estar envolvido por sentimentos altamente superiores, pelo modo como fala neste pergaminho".

            Os outros cardeais enfureceram-se com a petulância de Francisco. O próprio papa ficou calado, somente ouvindo as conjecturas dos seus assistentes.

            (...)Quase todos se colocaram contra a opinião do Cardeal João e contra a ideia da entrevista de Inocêncio III  com Francisco de Assis. A decisão final foi do próprio papa, que também a achou inconveniente, por ter outros trabalhos de maior interesse da Igreja. Um dos mais radicais redigiu uma resposta a Francisco informando a decisão de Sua Santidade, já que o Cardeal João de São Paulo recusou-se a fazê-lo.

            Francisco de Assis, que mandara buscar a resposta, a leu pausadamente sem mudar de feição, sem dar demonstração de constrangimento. Reuniu seus discípulos e passou a carta do papa para todos entenderem o que fazer: ir embora e trabalhar do modo que a inspiração dos Céus achasse conveniente. E partiram na manhã seguinte. (Francisco de Assis.Cap. 16. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...)Francisco era um Evangelho aberto, onde todos poderiam ler nas letras luminosas dos seus exemplos.

            (...)Não estamos aqui fechando os olhos para combater uma religião que serviu de veículo para grandes santos, como para vários sábios; somente escrevendo por ordem maior, aquilo que passou dos limites da sua área de ação.

            (...) Francisco de Assis já compreendia e respeitava os direitos humanos e espirituais das criaturas, e encontrava no Amor Universal a verdadeira religião. Concentrou as suas atividades no ideal do desprendimento.

            (...)Quando o seu pai fora à sua procura, para interromper os seus gestos no reparo das igrejas, deixara transparecer que Francisco estava tirando suas mercadorias e vendendo- as para tal mister; e este, diante das autoridades eclesiásticas, entregara a Pedro Bernardone tudo o que tinha em mãos, até a própria roupa do corpo; ficara despido de tudo que possuía fisicamente, porém, com a consciência vestida de luz.

            (...)Na noite em que fora lida a carta de Francisco no Vaticano, em reunião com os cardeais, o ambiente ficara pesado diante das discussões...No entanto, o papa, que fora mais comedido, (...) pôde conciliar o sono e dormir com certa tranquilidade. Inocêncio III, depois de instantes de sono, ouviu, mais ou menos consciente, alguém do mundo espiritual que o convidava para um passeio e ele saiu  do corpo físico com certa facilidade. (...) No ambiente de oração, notou que estava sendo guiado por alguém, e que uma nuvem esbranquiçada se foi formando ao seu lado. (...) Era um Espírito que fora papa no ano de 142 e que ficara no poder onze anos, oito meses e vinte e oito dias. Era o irmão Telésforo...

            (...)Luzes confundiam a visão de Inocêncio III que, quando viu aquele personagem a confundir os seus sentidos, buscou as suas vestes para beijá-las e ajoelhou-se a seus pés. Pediu, chorando, proteção para a sua cruz, que carregava com muita dificuldade na Terra: a direção da comunidade católica do mundo inteiro.

            Telésforo, imponente e majestoso, com o olhar sereno e o coração imantado de amor em Cristo, pegou as mãos de Inocêncio, como as de uma criança, e falou-lhe ao coração com brandura e carinho:

            - Meu filho, variadas vezes tentamos falar-te pelos meios que a vida nos oferece. (...) No entanto, na hora em que Deus quer mostrar-te a Sua vontade soberana, a tua vaidade, Inocêncio, interrompe o curso das leis naturais...

            (...)- Inocêncio!... Por invigilância queimaste há pouco uma carta, sabendo que essa missiva vinha de fundamentos elevados. Tu te recusaste a receber o servo de Jesus, um dos mais chegados a Ele, que tem a sagrada missão de te ajudar na renovação dos princípios que abraçaste, por medo de perder o poder transitório e por pensar que um papa faz parte da corte celestial.

            Recomendo-te receber Francisco, e colher dele os frutos do Evangelho para restaurar a nossa Igreja, que já começa a ruir...

            (...) Inocêncio III acordou assustado, chorando e gritando. Em seu socorro vieram vários padres, e ele, pálido, tomou um líquido par acalmar-se.                     Mandou chamar imediatamente o Cardeal João de São Paulo que dormia em apartamento ao lado. O cardeal veio às pressas e ouviu Sua Santidade narrar o sonho que tivera, dizendo:

            - João!... João!... Ajuda-me no que quero dizer. Tinhas razão, pelo que a razão me parece. Tive um sonho; não sei se foi sonho, pela clareza do que vi e ouvi...

            (...)João, traze esse homem de Deus, busca-o onde ele estiver. Usa de todos os meios para alcançá-lo onde quer que seja, pois temos de conversar com ele.

            (...) O papa tinha confundido o personagem do sonho, coisa muito comum, mesmo em desdobramento consciente. Ele viu e conversou com o papa Telésforo e não com Jesus, como pensava.

            O cardeal tomou todas as providências. Ao nascer do sol, mandou muitos padres em busca de Francisco e seus companheiros.

            (...)Efetivado o encontro, reuniram-se à sombra de uma árvore amiga e um deles transmitiu a mensagem do cardeal:

            - Senhor Francisco, viemos da parte do Cardeal João de São Paulo, que em nome de Sua Santidade, o papa Inocêncio III, te pede para voltar!

            (...) Então, puseram-se a caminho, em direção à Roma. Francisco, passando pelo sepulcro do primeiro discípulo de Jesus, lançou um olhar e um pedido, secretamente, sem que ninguém o ouvisse, pelos fios do pensamento:

            "Pedro, rogai ao Mestre por misericórdia, para que este homem que dirige os destinos da Igreja, compreenda a vontade divina, e lute verdadeiramente pela Paz . (...) Que lute pelos tesouros da religião, porém aqueles guardados no evangelho e que tal herança possa atingir a humanidade inteira".

            E avançou de cabeça erguida, ao encontro do Papa Inocêncio III.

            Francisco de Assis não estava em busca das bênçãos do papa; estava à procura do restabelecimento da Igreja de Deus, por vontade de Jesus Cristo...

            (...)Sua Santidade estava descansando numa cadeira que fora toda trabalhada por mãos hábeis, que não esqueceram os mínimos detalhes, na simbologia de fatos extraordinários, dos grandes acontecimentos. Anéis faiscavam em seus dedos. A túnica, sobreposta a outras de tecidos ricamente confeccionados, se ajustava em seu corpo de Príncipe da Igreja.

            (...)Francisco de Assis, pés descalços, como ele era e como andava em qualquer lugar, foi em direção ao papa que lhe estendeu a mão, e beijou-a com ternura peculiar ao seu ser, desejando ao Patriarca da Igreja saúde e paz. Todos fizeram o mesmo.

            (...)Francisco, humildemente acomodado ao lado do papa, passou levemente as mãos em sua própria cabeça, esperando inspiração de Deus, e disse sorrindo para o homem que tinha nos ombros o peso da cruz:

            - Santo Padre!... Não pretendo enganar-vos sobre o meu destino. Prefiro ser recusado pelo vosso sensível coração, a mentir para Vossa Santidade!...Nós, primeiramente, partimos para o desprendimento das coisas materiais, sufocando em nossas almas o egoísmo. Não que os bens terrenos em si ofendam, mas porque os homens ainda não aprendera a usá-los, mesmo aqueles que dirigem os povos. (...)Queremos viver na pobreza, uma pobreza digna do que todos os enfermos, velhos e crianças, queremos manter a vida e a defendê- la onde ela surgir por misericórdia de Deus. (...)Nós, Santo Pastor, estamos idealizando, e já começamos, a viver dentro de uma sociedade onde ninguém é dono de nada, e todos têm com o que viver.  (...) Não devo e não posso vestir capa e túnica, enquanto o meu irmão do caminho anda nu. Não podemos possuir grandes extensões de terras, enquanto muitas famílias não tiverem onde trabalhar e viver! (...) A decisão da nossa comunidade espiritual é viver puramente as normas traçadas pelo Divino Mestre de todos nós...

            (...)O Papa Inocêncio III  ouviu tudo, analisando, com a mente presa nas palavras que Francisco de Assis, e a imagem de Telésforo no espelho da sua consciência lhe falando as mesmas palavras que lhe tinha falado em desdobramento espiritual e que, naquele momento, lhe eram repetidas. (...)E falou resoluto, chamando Francisco de irmão:

            - Irmão Francisco!... Tudo isso que ouvimos dos seus guardados mentais é muito bonito, alinham-se perfeitamente com os conceitos de Jesus Cristo, não resta dúvida. Porém, são regras impraticáveis para a falange de obreiros que sustentam o mundo católico consubstanciado em Roma.(...)Prepara, meu filho, as regras que queres. Envia para nós, que darei veredito e ficarás livre, mas sempre com a nossa vigilância e a nossa proteção.  (...) Que Deus te abençoe.

            Francisco ouviu tudo em silêncio. Nada disse no curso do que ouviu. Levantou-se satisfeito, tomou a mão de Sua Santidade e beijou-a novamente, como as de todos os prelados...

            (...) Houve um reboliço no Vaticano, em reunião secreta; contudo, depois, os cardeais se asserenaram, com a palavra bem posta do Cardeal João de São Paulo, que argumentou:

            - Meus irmãos! Se esse homem nada de mal fez, nem vai fazer, está cooperando com o bem que devemos realizar. Por que não o deixar prosseguir em seu caminho, que todos sabemos ser de espinhos? Oremos por ele...

            (...)Francisco saiu pela porta Salária em direção à campina romana pela via Flamínia, direcionando-se para o norte. (Francisco de Assis.Cap. 17. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...)As notícias da Ordem dos Irmãos Menores e de suas regras de vida corriam mundo. (...) A cada dia que se passava, avolumava-se o número de discípulos, integrando-se a ela grandes nomes, desde que obedecessem às regras estabelecidas.

            O plano maior de Francisco e seus cooperadores era trazer o Evangelho de Jesus à vivência das criaturas; era desprendimento sem miséria, amor sem apego e perdão sem conivência; era fraternidade com respeito, caridade com discernimento e divisão dos bens nos lugares apropriados, e sempre trabalhar para viver do suor do rosto. Era liberdade com responsabilidade, alegria nas coisas santas e energia sem violência. Era compreender e escolher o Bem sem ostentação.

            Para o clero estabelecido e edificado no mundo, o programa da comunidade era um absurdo; ninguém poderia viver daquela forma. No entanto, nem todo o clero era contra. Alguns cardeais, bispos e padres encontravam nos planos de Francisco de Assis a salvação para a Igreja Católica Apostólica Romana, enxertada em sua doutrina de preceitos altamente espirituais, de preceitos humanos e transitórios.

            (...) A religião de Francisco de Assis é o Amor, por ser ele um Cidadão Universal, na influência de Deus e nas mãos de Cristo.

            (...) A noite, todos estavam reunidos em um rancho à guisa de igreja, feito pelas próprias mãos dos frades menores, nas cercanias de Assis. Eles o construíram com uma rapidez de relâmpago, cantando e conversando sobre as ideias mais elevadas que a vida poderia ofertar à humanidade. Antes de Francisco   entrar, desceu os joelhos ao solo, e disse com emoção :

            -Obrigado, Senhor!... e levantando-se, acrescentou:

            -Não mereço tanto.

            (...)E se for do agrado de todos, eu sugeriria que começássemos hoje, agora, como sendo a inauguração da nossa primeira igreja em Assis, casa de Deus essa feita pelas vossas próprias mãos. (Francisco de Assis.Cap. 18. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...)Foi na Igreja de São Rufino o primeiro encontro espiritual de Clara com Francisco. Ele, naquela noite memorável, se dispusera a falar aos irmãos de Assis.

            (...)  Francisco, vivendo na mesma cidade em que nasceu essa moça encantadora, a conhecia desde menina, pois também era de família abastada. Porém, o empuxo espiritual destes dois seres somente se deu, quando ele falava no templo de São Rufino.

            (...)Francisco e seus discípulos começaram a andar, pregando o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. E, por vezes, pediam de porta em porta para abastecer a comunidade e doar aos pobres que encontravam ou que iam bater às suas portas. Nada era deles; pediam e davam. No entanto, na hora de pedir, doavam algo de espiritual para os doadores de coisas materiais; não se esqueciam do sorriso, da gratidão, e ainda oravam por eles, quando estavam em conjunto.

            (...)Desde o dia em que falara na igreja de São Rufino, Francisco não esqueceu mais os olhos de Clara, que o fitavam na mais alta emoção que os sentimentos podem manifestar. Certa tarde, encantado com a natureza, saiu cantarolando uma canção observando os pássaros, sem se esquecer de contemplar os céus. Sem que esperasse sentiu uma mão pousar de leve em seu ombro, e dizer: "A paz seja convosco".

            Ele, que estava quase em êxtase, tomou noção de si mesmo e olhou: era Clara acompanhada por uma servidora da sua casa, que logo se desfez... Clara, sem condições de conversar, deu a entender que ele falasse alguma coisa, e o filho de Bemardone usou da oportunidade, sem rodeios, cordial e sincero:

            - Clara!... Minha filha, somos nascidos nesta Terra acolhedora e bendita. Talvez tenhamos nos encontrado muitas vezes, sem que o coração manifestasse os nossos ideais. Mas, agora, crescemos, e nossas almas falam da realidade que a vida espera de nós.

            Vimo-nos na igreja de São Rufino e certamente notaste o meu ideal ante o chamado de Nosso Senhor; não fosse peso demasiado para os teus ombros, chamar-te-ia com todas as forças de minh'alma: Vamos!

            (...) Clara! Sinto que a sua vida se entrelaça na minha em altos sentidos, que o próprio coração tenta esconder, para que não saia das necessidades humanas.

            (...)- Clara!... O ideal do homem e da mulher no mundo é formar um lar, e esse lar, é por assim dizer, uma semente de Deus, que garante a continuidade das criaturas humanas. Isso é maravilhoso, é mesmo divino; entretanto, minha filha, existem aquelas pessoas que vieram ao mundo para servir, como no nosso caso, e sua família se chama humanidade. A nossa família, Clara, são todos os animais, aves e peixes, tudo o que Deus fez e que vive no Universo. (...) És bela, mas a formosura da tua alma suplanta a do corpo. Vives em palácio e tens criadas ao teu dispor, mas, digo-te que tudo isso é passageiro; somente eternas são as coisas do Bem, a função caritativa e as leis que o Evangelho nos revela.

            (...) Volta para tua casa, pensa no que ouviste e obedece somente à tua consciência, pois a tua felicidade depende da tua decisão.

            Andaram horas e horas juntos. Francisco falando, e Clara ouvindo. Em dado momento, assentaram-se em uma árvore que o tempo jogara ao chão, e serviram-se dela, como um banco confortável, ofertado pela natureza. Clara levantou a cabeça que mantivera baixa, para ouvir com precisão os mais sutis preceitos recitados por Francisco, e falou como que tomada de Amor:

            - Francisco!... Nunca pensei que existisse tamanha felicidade quanto a que senti dentro da igreja de São Rufino, quando te vi, envolvido na candura que te é própria. (...)Senti coisas estranhas referentes à tua pessoa, desde o impulso mais grosseiro a que o corpo se faz unir, até o amor mais puro que coração em Cristo pede que seja sentido. Fiquei, e estou, dentro de um emaranha de forças, cujo objetivo por ora desconheço;porém, sinto o coração firme e decidi para ouvir e viver o que Deus determinar, ou que já tenha determinado. (...) Renunciarei a tudo, para que tudo possa me servir de escola, a ensinar-me as primeiras letras da vida, em Deus e em Cristo. (...)Depois de longas conversações, os dois se despediram, inflamados de alegria espiritual, e Francisco partiu cantando hosanas ao Senhor por mais vitória de Cristo nos caminhos do mundo. (Francisco de Assis.Cap. 20. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...) Em Rivotorto havia um hospital de leprosos por demais impressionante, se considerarmos o que seria uma Casa de Saúde há oito séculos atrás. Os hansenianos daquela época eram relegados ao abandono e a medicina não tinha condições, como agora, para tratá-los adequadamente.

            Francisco de Assis tinha um carinho profundo por aqueles doentes, e sempre pedia aos seus companheiros para visitá-los e trazer notícias daqueles restos de homens, levando- lhes a sua presença. No entanto, alguns manifestavam impaciência e mesmo revolta, por estarem separados da sociedade, das mulheres e filhos. E, também,  porque Francisco ficava de longe, por receio do contágio...(Obs.:frase adaptada).

            (...)Mas, certa vez,  Francisco, tomado de amor por um leproso , que foi levado ao seu encontro, beijou-lhe o rosto como se fosse o da sua própria mãe (Obs.: frase adaptada) .Retirou a roupa do enfermo, jogando-a de lado, e em seguida beijou as suas chagas pustulentas...

            (...) O doente, naquele clima de fraternidade, começou a chorar, e Francisco não fez outra coisa.

            (...) Sentiu que alguém tomou-lhe as mãos, dizendo:

            - Francisco, cuida destas minhas ovelhas...

            E Francisco respondeu mentalmente:

            - Sim, Senhor, sim! Eu cuidarei!

            (...)E Francisco foi passando as suas mãos no corpo do leproso e todas as feridas foram se fechando, como por encanto, à medida que as mãos lavavam o enfermo. Os discípulos, ao contemplarem esse fenômeno, caíram de joelhos no chão batido do Rancho de Luz, e cantaram um hino de louvor ao Todo Poderoso, pela presença do Cristo no seio da Comunidade.

            (...)Conta-se que certa feita, Francisco seguia de Riéte para Áquila, com alguns dos seus discípulos.

            (...)Nesta emoção maravilhosa que as coisas espirituais lhes ofertavam, surgiu à margem da estrada uma grande árvore, que os convidava, no silêncio do campo, a um descanso reparador.(...)Francisco, meditativo, viu pequenos seres, pertencentes à imponderabilidade da natureza, saírem e entrarem no corpo ciclópico do grande arbusto, e neste, parecia que se abria algo como janelas invisíveis, por onde transitavam aqueles diminutos seres, de forma humana. (...)Logo elas começaram a manifestar grande interesse por Francisco de Assis: subiam em seu corpo, como enxame de abelhas, deslizavam por seus cabelos, como artistas mostrando suas habilidades em um circo. (...)Francisco de Assis, ao contemplar aquele espetáculo invisível, a emoção o fez chorar.  (Francisco de Assis.Cap. 21. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...) Francisco recebeu carta de Inocêncio III, que se encontrava bastante enfermo e que lhe solicitava a presença, cujos termos tentaremos reproduzir, procurando nos aproximar, dentro das nossas possibilidades.

            (...)Francisco, em Roma, manda avisar ao Papa, que viera vê-lo em nome do Cristo de Deus. Este, ao receber a notícia, com grande alegria, mandou buscá-lo imediatamente...

            Francisco adentrou o Vaticano com simples sandália que lhe ofertaram em caminho...Francisco, ajoelhou-se, beijou-lhe as mãos encarquilhadas e falou com mansidão:

            - Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

            Inocêncio III, já quase sem forças para falar, chorou, envolvido pela emoção. Passados os primeiros momentos, já refeito, falou a Francisco:

            - Meu filho, que Deus te abençoe! Tua presença junto a mim proporciona-me um imenso bem-estar. (...)Queria pedir-te perdão e humilhar-me na tua presença.

            (...)Como dirigente máximo da Igreja, estou falido e tenho consciência de que não deveria ter feito o que fiz: incentivar uma Cruzada de crianças inocentes, enviando-as para a morte. Sou, verdadeiramente, um genocida.

            (...)Gostaria que a saúde me visitasse pelas mas mãos abençoadas, mas, se este não for o desejo de Nosso Senhor, aceitarei a doença e a morte com alegria.

            Chamei-te para te fazer um pedido, e morrerei triste, caso não seja atendido. Quero que tu, Frei Francisco, acompanhe esta Quinta Cruzada, que está Sendo formada. Se eu tivesse forças, iria lutar para impedi-la; sei que terás forças para desfazer as atitudes perversas de que estão imbuídas as pessoas que a dirigem...

            (...)Nisto, Francisco sentiu leve estalo em sua cabeça, acompanhado da meiga e suave voz, já sua conhecida, nesta expressão que encanta e comove:

            - Francisco!... Tem piedade dele que sofre e chora!... Lembra-te das bem-aventuranças. (...)Lembra-te do meu Amor para com todas as criaturas. Estende as tuas mãos e alivia este homem que padece...

            Francisco, na condição de transmissor de alta potência energética, orou nestes termos:

            "Senhor!... Fazei de mim instrumento da Vossa paz.

            Onde haja ódio, consenti que eu semeie Amor!...

            Perdão, onde haja injúria;

            fé, onde haja dúvida;

            verdade, onde haja mentira;

            esperança, onde haja desespero;

            luz, onde haja trevas;

            união, onde haja discórdia;

            alegria, onde haja tristeza.

            Divino Mestre! Permiti que eu não procure

            tanto ser consolado quanto consolar;

            ser compreendido quanto compreender;

            ser amado quanto amar,

            porque é dando que recebemos,

            é perdoando, que somos perdoados

            e é morrendo que compreendemos a vida eterna."

            Francisco, banhado em lágrimas, olhou ao lado e viu nitidamente o papa Telésforo, ajoelhado, acompanhando a sua prece e também chorando de alegria, por sentir o Cristo em grande profusão de luzes, aproximar-se daquela casa. Francisco olhou para o papa que ressonava, e disse, tomado de energia:

            - Levanta-te e anda, em nome d'Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida! Inocêncio III acordou assustado, falando:

            - Eu vi Jesus, agora eu vi Jesus!

            E começou a andar pelo quarto, livre das enfermidades e das chagas que já tomavam o seu corpo.

            Em pranto, debruçou-se no ombro de Francisco com gratidão e respeito, falando brandamente:

            - Pai Francisco, tu é que deverias estar no meu lugar. Que Deus te abençoe sempre! (Francisco de Assis.Cap. 22. Espírito Miramez. João Nunes     Maia)

            (...)É bom relembrar que os discípulos de Francisco, depois de instruídos por ele por vários meses em Rivotorto, Porciúncula, e mesmo no Rancho de Luz, partiam em  todas as direções da ltália,e ainda para países como França,Alemanha,Espanha e Portugal, para daí saírem para o mundo.(Francisco de Assis.Cap. 23. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            Certa vez, Francisco, emocionado com tanta gente ansiosa pela sua palavra na palavra de Cristo, começou a pregar o Evangelho. Em dado momento, o melro regressou, dirigindo um bando da mesma espécie, milhares de pássaros, todos cantando e voando em tomo da multidão, ficando a voz de Francisco abafada pela cantoria. Francisco calou-se. Os pássaros redobraram-se em cantos, todos de uma só vez. A certa altura, os sons tomaram-se estridentes demais para serem suportados, e a multidão já se inquietava.

            Francisco, em um gesto de amor à natureza divina, na expressão divina daquelas vidas em evolução, levantou os braços para o alto, e em tom de humildade, falou aos melros com delicadeza:

            - Meus irmãos!...  (...) Eu lhes peço, com toda a humildade de meu coração, no grau em que possa ofertar-lhes, com toda a paciência naquilo que posso lhes dar, com todo o amor pelos poderes do Mestre Jesus, que se calem um pouco, para que eu possa falar do Evangelho a esse povo que está sedento da palavra de Deus...

            (... )Os pássaros silenciaram-se, espalhando-se pelo chão e pelas árvores, e Francisco recomeçou o seu sermão, tendo como templo a mãe Natureza.

            (...)Pai Francisco lembrou-se do pedido de Inocêncio III, para que fosse a uma das Cruzadas. Fosse qual fosse o seu interesse, ele, Francisco, tinha diretrizes marcadas na própria consciência sobre o que deveria fazer, em consonância com o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.  (...) A Cruzada não tinha sentido, nem condição de avançar, principalmente naquele momento, em que iria conversar com o Sultão Kamel, e tentar interferir nos seus conceitos sobre o Santo Sepulcro. Infelizmente, o frade do Cristo não foi ouvido e a Cruzada foi totalmente destruída, derrotada e espezinhada. Morreram milhares de criaturas, que derramaram o sangue em troca da defesa do Santo Sepulcro, onde não existiam nem as ideias de Jesus. O sultão já tinha mandado cortar o pescoço de vários discípulos de Francisco, para que o povo sentisse a sua força e o seu poder. (...) Entretanto, Francisco de Assis teve desassombro de ir ao encontro do Sultão Melek-el-Kamel com um dos seus discípulos, pela autoridade que o Amor lhe condena. (...)Durante a longa conversa, o sultão teve, várias vezes, vontade de beijar as mãos de Francisco de Assis, pela sua humildade e seu interesse pela paz da coletividade (Obs.: frase adaptada). (...) Depois que Francisco partiu, o Sultão ficou muito tempo em meditação, examinando o que ouvira daquele homem de Deus. Notou que não doía mais o velho ferimento que tinha debaixo do braço esquerdo e que muito o fazia sofrer. (...) E logo deduziu:

            "Foi aquele homem! Ele é um enviado de Alá!"

            (...)Francisco de Assis tinha grande interesse em ficar no Oriente, principalmente onde nascera o Mestre Incomparável, mas quando somos instrumentos da Verdade, nunca fazemos o que queremos e, sim, a vontade de Deus.

            (...) O Poverello volta a Assis, onde fora implantado o coração da comunidade Franciscana, tendo Porciúncula como a igreja-mãe e o Rancho de Luz, como universidade de aprendizado mais profundo sobre o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

            A notícia da chegada de Francisco espalhou-se como um raio, e todos foram visitá-lo com alegria.

            (...)Francisco sentia saudades de alguém que ainda não vira depois de sua chegada. Clara sentia, igualmente, um aperto no coração, com a falta de seu pai espiritual.(...)Quando o viu, os sentimentos não suportaram; faltou-lhe a voz, os olhos se fecharam, e a emoção fê-la sentar-se. (...)Naquele dia, conversaram por horas a fio, trocando ideias e estabelecendo planos para o bom andamento dos trabalhos desenvolvidos por ambos.

            (...)Francisco de Assis subiu ao Monte Alveme. Para ele, a morada excelente era mesmo a natureza, os seus dons se dilatavam de maneira divina, ouvindo e entendendo as vozes em muitas dimensões.Seus discípulos já eram muitos, e espalhavam-se por muitos países, pregando e vivendo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pai Francisco não precisava estar junto deles para falar-lhes.

            (...)No fim de sua vida missionária, Francisco estava muito doente, principalmente dos olhos.  (Francisco de Assis.Cap. 24. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            O Monte Alverne, situado nos Apeninos, banhado pelos rios Arno e Tibre, era envolvido em fluidos superiores e, ali, Francisco refazia suas forças de vez em quando...(...)Esse monte que se encontra na Toscana, parece ter sido preparado pela natureza, qual acontecera à Ilha de Patmos, para receber João Evangelista. Igualmente, a região fora escolhida para calvário das maiores emoções de sua vida missionária, região esta que Pai Francisco elegera para o exílio por amor a Jesus, já que não fora expatriado pela vontade dos homens. (...)Ali se escondia o Poverello em uma caverna, como se estivesse em uma mansão. Quando era acompanhado, os Frades Menores ficavam à distância, não que ele exigisse, mas por respeito ao mestre que entra em êxtase ou conversava frente a frente com o mundo espiritual, em diálogos demorados. (...)Certa feita, cheio de cuidados, Filipe, um dos componentes da Ordem foi às bordas da caverna, onde estava Pai Francisco que, já por quinze dias, sem comer e sem beber, não dava sinal de vida. Os outros dois discípulos ficaram orando com receio de o companheiro interromper o estado de graça do cantor Assis.

            (...) O Monte Alveme foi, por assim dizer, o Calvário do Poverello de Assis. Foi lá que ele teve sua maior emoção espiritual na vida, onde recebeu a graça que tanto desejara: as chagas do Mestre. (...)O Poverello já pedira a Jesus que antes de voltar à pátria espiritual desejaria sentir as Suas chagas no próprio corpo, o que para ele seria uma bênção, a coroação dos seus trabalhos nos caminhos do mundo.

            (...)Multidões de pessoas iam a Assis, procurando-o onde estivesse, para ver de perto as chagas do Cristo, que Francisco ostentava nas mãos, nos pés e no peito. Ele sofria dores nos ferimentos, como se também tivessem sido provocados pelos cravos e pela lança. Todavia, nunca reclamava, não saía do clima da alegria nem blasfemava. Recebia tudo aquilo como um cântico de Esperança, que transformava a dor em Paz.

            (...) Com o passar dos dias, Francisco sentiu vontade de ir para Riéti, e os seus companheiros de jornada evangélica o satisfizeram, levando-o com todo cuidado que deve ser dispensado a uma alma que somente canta o Amor.

            (...)Parava aqui e ali, para abençoar a multidão e em seus lábios riscava-se permanentemente um sorriso, denunciando a alegria dos sentimentos junto ao povo daquela cidade que pastoreava. Somente naquela passagem curou inúmeras pessoas enfermas, inclusive um cego de nascença, que saiu pulando de alegria, qual o cego de Jericó, quando tocado pelas mãos de Jesus.

            (...)De Riéti, Francisco seguiu para Cortona, onde sua saúde piorou. Já não podia andar mais e as pernas não obedeciam à sua vigorosa vontade. Hospedado em casa de um confrade, curou a sua filha paralítica. Na mesma residência era visitado por três cães, que vinham todos os dias lamber as suas chagas, e ele sentia com isso grande alívio, agradecendo a visita dos animais. Os pássaros não o esqueciam e, nas árvores e nos telhados das casas próximas, cantavam anunciando novo dia, e por vezes entravam pela janela, indo pousar em seu peito, alegrando-o com seus estridentes cantos. (Francisco de Assis.Cap. 25. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

            (...)Quando notou que seu estado piorava cada vez mais, e sentindo que se aproximava o momento de sua despedida para o mundo espiritual, Francisco manifestou vontade de ir embora para Assis, sua terra natal. (...)O seu corpo abrira-se todo em chagas e tinha de ser levado com muito cuidado. Para tanto, fizeram uma maca de madeira, forrada de capim, de modo que ele pudesse viajar com mais conforto. (...)A caminhada foi longa. (...)A sua chegada em Assis comoveu a todos, que acorreram para recebê-lo, como o santo da Terra que era.

            (...)O calendário marcava a data de três de outubro de 1226...

Rumaram para o hospital dos hansenianos e quando Frei Masseu anunciou a chegada de Pai Francisco, foi uma grande alegria. (...)Naquele quadro de Amor, dois dos leprosos foram curados pelo toque do santo.

            (...)Partiram dali para o Rancho de Luz, coberta improvisada como uma igreja no seio da natureza, dentro da simplicidade e da pobreza que Francisco desejara.(...)Lembrou-se de Clara, visualizou sua figura ...Mandou chamá-la, porém ela não pôde comparecer... (...)O Sol começava a apagar-se no poente, quando a alma Francisco de Assis começou a apagar-se no poente da vida física, para esplender fulgurante na eternidade. Os frades, todos de joelhos, cantavam e choravam baixinho, e Francisco ascendeu às alturas. Frei Rogério viu com toda a nitidez Pai Francisco subindo aos Céus refulgindo-se em luzes, ao encontro do Cristo. (Francisco de Assis.Cap. 27. Espírito Miramez. João Nunes Maia)

 

Observação (1): Jarla era uma velha grega, serva da casa de Pedro Bernardone (pág.93) .

Observação  (2): Foli era o nome da mocinha escrava, que posteriormente tornou-se serva da casa de Pedro Bernardone e passou a morar lá (pág. 163 e 166).

Observação  (3): Conflitos entre Feudos e Comunas:

A Itália, como toda a Europa daquela época, vivia uma fase bastante conflitiva de sua história, marcada pela passagem do sistema feudal (baseado na estabilidade, na servidão e nas relações desiguais entre vassalos e suseranos) para o sistema burguês, com o surgimento das “comunas” livres (pequenas cidades), com seu comércio, artesanato e pequenas indústrias. Com o novo sistema, mudaram-se as relações. O poder dos senhores feudais passou a ser questionado e enfrentado pelos novos senhores, originários das comunas, a maioria deles constituída pelos comerciantes mais abastados, a exemplo de Pedro Bernardone. Eram frequentes nesta época guerras e batalhas entre os senhores feudais e as emergentes comunas. São conhecidas as lutas entre “maiores”, isto é, a nobreza e os “minores”, vale dizer, a classe emergente.

Além destas lutas, havia choques entre o Imperador, como a força civil do Sacro Império, e o Papa, como chefe espiritual, misturando nesta luta os interesses, de maneira que havia uma constante guerra, ora fria ora real. E a cidade de Assis, por sua posição geográfica no entroncamento Alemanha-Roma, e por sua importância comercial, trocava constantemente de “dono”: ora no alto de sua fortaleza, a Rocca Maggiore, tremulava a bandeira do Papa, ora a do Imperador.

Como todo jovem ambicioso de sua época, Francisco desejava conquistar, além da fortuna, também a fama e o título de nobreza. Para tal, fazia-se necessário tornar-se herói em uma dessas frequentes batalhas. No ano de 1201, incentivado por seu pai, que também ansiava pela fama e nobreza, Francisco partiu para mais uma guerra que os senhores feudais, baseados na vizinha cidade de Perúsia, haviam declarado contra a Comuna de Assis. (Fonte:https://franciscanos.org.br/carisma/sao-francisco#1541514996380-410523b4-f9d2)

 

Bibliografia:

- Francisco de Assis. Espírito Miramez. João Nunes Maia.

- Site: https://franciscanos.org.br/carisma/sao-francisco#1541514996380-410523b4-f9d2. Data da consulta: 19-05-20.

 

Passatempo Espírita © 2013 - 2024. Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por Webnode