Nas hesitações de Pedro

        Logo depois de se estabelecerem os apóstolos em Jerusalém, em seguida às revelações do Pentecostes, ia o serviço de assistência social maravilhosamente organizado, não obstante as perseguições que se esboçavam, quando a casa acolhedora, dirigida por Simão Pedro, foi procurada por infeliz mulher. Trazia consigo todos os estigmas das pecadoras. Fora lapidada e exibia manchas sanguinolentas na roupa em frangalhos.

        Pronunciava palavras torpes. Revelava-se semilouca e doente.

        As senhoras do reduto cristão retraíram-se, alarmadas. E o próprio Pedro, que recebera preciosas lições do Senhor, vacilou quanto à atitude que lhe seria adequada.

        Como haver-se nas circunstâncias? Destinava-se aquele abrigo ao recolhimento de criaturas desventuradas; entretanto, como classificar a triste posição daquela mulher que, naturalmente, buscara o vaso da angústia nos excessivos gozos da vida? Não estaria a sofredora resgatando os próprios débitos? Se bebera com loucura na taça dos prazeres, não lhe caberia o fel da aflição?

        Dispunha-se a rogar-lhe que se afastasse do asilo, quando recordou a necessidade de orar. Se o caso era omisso nas disposições que regiam o instituto fraterno, tornava-se imperioso consultar a inspiração do Messias.

        O Mestre lhe ditaria o recurso. Buscar-lhe-ia, por isso, o conselho na prece ardente.

        Enquanto a infortunada aguardava resposta, sob o apupo de pequena multidão que lhe contemplava as feridas, o apostolo buscou a solidão do santuário doméstico, e exorou a proteção do Amigo Divino, que fora crucificado.

        Em breves instantes viu Jesus, nimbado de claridade resplandecente, não longe de suas mãos, que se estenderam suplicantes:

        - Mestre - rogou Pedro, atacando diretamente o assunto, como quem sabia da brevidade daqueles momentos inesquecíveis -, temos à entrada uma pecadora reconhecidamente entregue ao mal! Ajuda-me, inspira-me!... que farei?!...

        O Salvador entreabriu os lábios sublimes e falou:

        - Pedro, eu não vim curar os sãos...

        O discípulo entendeu a referência, mas, ponderando a grave responsabilidade de quem administra, acentuou:

        - Senhor, estamos agora sem tua orientação direta e visível. Recebê-la-emos neste lar, para que? A fim de julgá-la?

        Com o mesmo olhar sereno, Jesus replicou:

        - Nesse mister permanecem na Terra numerosos juizes.

        - Para fazer-lhe sentir a extensão dos erros? - indagou Simão, em lágrimas.

        - Não, Pedro - tornou o Mestre -, para dar-lhe conhecimento da penúria em que vive, conta nossa irmã, nas vias públicas, milhares de bocas que amaldiçoam e outras tantas mãos que apedrejam.

        - Para conferir-lhe a noção do padecimento em que se mergulhou por si mesma?

        - Também não. Em tarefa ingrata como essa, vivem aqueles que a exploram, dando-lhe fome e sede, pranto e aflição...

        - Para dizer-lhe das penas que a esperam neste e no “outro mundo”?

        - Ainda não. Nesse labor terrível respiram os espíritos acusadores, que não hesitam na condenação em nome do Pai, olvidando as próprias faltas...

        O ex-pescador de Cafarnaum, então, chorou, súplice, porque no íntimo desejava conformar-se com os ditames da justiça, exemplificando, simultaneamente, com o amor que o Cristo lhe havia legado. Arquejava, soluçante, ignorando como prosseguir nas indagações, mas Jesus dele se acercou, iluminado e benevolente... Enxugou-lhe as lagrimas que corriam abundantes e esclareceu:

        - Pedro, para ferir e amaldiçoar, sentenciar e punir, a cidade e o campo estão cheios de maus servidores. Nosso ministério ultrapassa a própria justiça. O Evangelho, para ser realizado, reclama o concurso de quem ampara e educa, edifica e salva, consola e renuncia, ama e perdoa... Abre acesso à nossa irmã transviada e auxilia-a no reerguimento. Não a precipites em despenhadeiros mais fundos... Arranca-a da morte e traze-a para a vida... Não te esqueças de que somos portadores da Boa Nova da Salvação!...

        Logo após, entrou em silêncio, diluindo-se-lhe a figura irradiante na claridade evanescente da hora vespertina...

        O apóstolo levantou-se, deu alguns passos, atravessou extensa fileira de irmãos espantados, abriu, de manso, a porta e dirigiu-se à mulher, acolhedor:

        - Entre, a casa é sua!

        - Quem sois? - interrogou a infeliz, assombrada.

        -Eu? - falou Pedro, com os olhos empapuçados de chorar.

        E concluiu:

        - Sou seu irmão.

(Luz acima. Espírito Humberto de Campos. Psicografado por Chico Xavier).  

 

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