ALLAN KARDEC UTILIZOU ALGUMA METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA VERIFICAR SE AS REVELAÇÕES DOS ESPÍRITOS SUPERIORES ERAM VERDADEIRAS?

Conforme o dicionário, "ciência" significa: "Conhecimento atento e aprofundado de alguma coisa [...] corpo de conhecimentos sistematizados que, adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, são formulados metódica e racionalmente."(Míni Houaiss: Dicionário Da Língua Portuguesa .2003)

"Compreende-se que são quatro os pontos principais da busca do conhecimento, conforme descrição apresentada por Mascarenhas (2017):

CONHECIMENTO EMPÍRICO: Também conhecido como " conhecimento vulgar" ou senso comum. Esse tipo de conhecimento surge a partir da interação e observação do ser humano com ambiente que o rodeia. Por ser baseado nas experiências,  o conhecimento empírico não costuma apresentar a legitimidade da comprovação científica. Ao contrário do conhecimento científico, não há uma preocupação em refletir criticamente sobre o objeto de observação, limitando-se apenas a dedução de uma ação. Justamente por ser adquirido unicamente por observação e com base em deduções simples, o conhecimento empírico é muitas vezes suscetível a erros.

CONHECIMENTO FILOSÓFICO: Representa um meio-termo entre o conhecimento científico e o empírico, pois nasce a partir da relação do ser humano com o seu cotidiano, mas baseado nas reflexões e especulações que este faz sobre todas as questões imateriais e subjetivas. Esse tipo de conhecimento foi construído devido à capacidade do ser humano de refletir.  Mesmo sendo de natureza racional, o conhecimento filosófico dispensa a comprovação científica, uma vez que o objeto de análise deste não consiste em coisas materiais. É graças ao conhecimento filosófico que são construídas ideias, conceitos e ideologias que buscam explicar, de modo racional, diversas questões sobre o mundo e a vida humana.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO: Engloba todas as informações e fatos que foram comprovados com base em análises e testes científicos. Para isso, no entanto, o objeto analisado deve passar por uma série de experimentações e análises que atestam ou refutam determinada teoria. Para isso, no entanto, o objeto analisado deve passar por uma série de experimentações e análises que atestam ou refutam determinada teoria.  O conhecimento científico está relacionado com a lógica e o pensamento crítico e analítico. Representa o oposto do conhecimento empírico e do senso comum.

CONHECIMENTO TEOLÓGICO: Este tipo de conhecimento está baseado na fé religiosa, acreditando que esta é a verdade absoluta e apresenta todas as explicações para os mistérios que rondam a mente humana. Não há a necessidade de verificação científica para que determinada "verdade" seja aceita sob a ótica do conhecimento religioso." ( Metodologia da Pesquisa Científica. Adriana Soares Pereira e outros autores. 2018)

Alguns estudiosos também consideram o conhecimento filosófico um intermédio entre o conhecimento científico e o conhecimento teológico, no qual maior parte é baseado em dogmas, algo indiscutível e inquestionável.

"(...) No Espiritismo, nunca é demais dizê-lo, não há dogmas e cada um dos seus princípios pode e deve ser discutido, julgado, submetido ao exame da razão." (O problema do ser, do destino e da dor. Cap. 2. Léon Denis)

"Podem-se classificar as ciências, num primeiro momento, em duas grandes categorias: formais e empíricas. As primeiras tratam de entidades ideais e de suas relações, sendo a matemática e a lógica formal as mais importantes.  (...) As ciências empíricas, por sua vez, podem ser classificadas em naturais e sociais. Dentre as ciências naturais estão: a Física, a Química, a Astronomia e a Biologia. Dentre as ciências sociais estão: a Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, a Economia e a História. A Psicologia, a despeito de apresentar algumas características que a aproximam das ciências naturais, constitui também uma ciência social. Isto porque, ao tratar do estudo do comportamento humano, trata-o sobretudo a partir da interação entre os indivíduos.

Durante muito tempo, as ciências trataram exclusivamente do estudo dos fatos e fenômenos da natureza. Até a segunda metade do século XIX, o estudo do homem e da sociedade permaneceu com os teólogos e filósofos, que produziram trabalhos notáveis, que até hoje despertam admiração. Mas a partir desse período, profundamente marcado por inovações tanto no campo tecnológico quanto político, passou-se a buscar conhecimentos acerca do homem e da sociedade tão confiáveis quanto os proporcionados pelas ciências da natureza. Desenvolveu-se, então, uma concepção científica do saber, denominada Positivismo, cujas principais características são: (1) o conhecimento científico, tanto da natureza quanto da sociedade, é objetivo, não podendo ser influenciado de forma alguma pelo pesquisador; (2) o conhecimento científico repousa na experimentação; (3) o conhecimento científico é quantitativo; e (4) o conhecimento científico supõe a existência de leis que determinam a ocorrência dos fatos. As ciências sociais foram constituídas principalmente no século XIX, graças à influência da orientação positivista. Tanto é que Augusto Comte, o Pai do Positivismo, é considerado também o Pai da Sociologia. Assim, as ciências sociais, fundamentadas na perspectiva positivista, supõem que os fatos humanos são semelhantes aos da natureza, observados sem idéias preconcebidas, submetidos à experimentação, expressos em termos quantitativos e explicados segundo leis gerais. " (Métodos e técnicas de pesquisa social. Antonio Carlos Gil)

"Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas - aplicando o método experimental. Fatos novos se apresentam, que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; ele os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz-lhes as consequências e busca as aplicações úteis. Não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não apresentou como hipóteses a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios da doutrina; concluiu pela existência dos Espíritos, quando essa existência ressaltou evidente da observação dos fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros princípios. Não foram os fatos que vieram a posteriori confirmar a teoria: a teoria é que veio subsequentemente explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às coisas metafísicas." (A Gênese. Cap. 1. Item 14. Caráter da revelação espírita. Allan Kardec)

"O pioneiro a tratar do assunto, no âmbito do conhecimento científico, foi Galileu Galilei, primeiro teórico do método experimental. (...) As ciências, para Galileu, não têm, como principal foco de preocupações, a qualidade, mas as relações quantitativas. Seu método pode ser descrito como indução experimental, chegando-se a uma lei geral através da observação de certo número de casos particulares. Os principais passos de seu método podem ser assim expostos: observação dos fenômenos; análise dos elementos constitutivos desses fenômenos, com a finalidade de estabelecer relações quantitativas entre eles; indução de certo número de hipóteses; verificação das hipóteses aventadas por intermédio de experiências (experimento); generalização do resultado das experiências para casos similares; confirmação das hipóteses, obtendo-se, a partir delas, leis gerais. "(Metodologia Científica. Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos. 1988)

Allan Kardec faz a mesma afirmação, dizendo: "Como um dos primeiros a revelar as leis do mecanismo do Universo, não por hipóteses, mas por uma demonstração irrecusável, Galileu abriu o caminho a novos progressos. Por isto mesmo, ele devia produzir uma revolução nas crenças, destruindo os andaimes dos sistemas científicos errados sobre os quais elas se apoiavam.
A cada um a sua missão. Nem Moisés, nem o Cristo tinham a de ensinar aos homens as leis da Ciência. O conhecimento dessas leis devia ser resultado do trabalho e das pesquisas do homem, da atividade e do desenvolvimento de seu próprio espírito, e não de uma revelação a priori, que lhe tivesse dado o saber sem esforço. Eles não deviam nem podiam lhe ter falado senão uma linguagem apropriada ao seu estado intelectual, pois do contrário não teriam sido compreendidos. Moisés e o Cristo tiveram sua função moralizadora. A gênios de outra ordem são deferidas as missões científicas. Ora, como as leis morais e as leis da Ciência são leis divinas, a Religião e a Filosofia não podem ser verdadeiras senão pela aliança dessas leis." (Revista Espírita. Abril de 1857. Galileu. Allan Kardec)

"Todas as ciências caracterizam-se pela  utilização de métodos científicos. (...) O método é conjunto de atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros  e auxiliando as decisões do cientista. " (Metodologia Científica. Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos. 1988)

"Podem ser incluídos neste grupo os métodos: dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico. Cada um deles vincula-se a uma das correntes filosóficas que se propõem a explicar como se processa o conhecimento da realidade. O método dedutivo relaciona-se ao racionalismo, o indutivo ao empirismo, o hipotético-dedutivo ao neopositivismo, o dialético ao materialismo dialético e o fenomenológico, naturalmente, à fenomenologia." (Métodos e técnicas de pesquisa social. Antonio Carlos Gil)

"Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal. O objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam.

Uma característica que não pode deixar de ser assinalada é que o argumento indutivo, da mesma forma que o dedutivo, fundamenta-se em premissas. Todavia, se nos dedutivos premissas verdadeiras levam inevitavelmente a uma conclusão verdadeira, nos indutivos premissas verdadeiras conduzem apenas a conclusões prováveis." (Metodologia Científica. Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos. 1988)

"Dois exemplos servem para ilustrar a diferença entre argumentos dedutivos e indutivos.

DEDUTIVO:

Todo mamífero tem um coração.

Ora, todos os cães são mamíferos.

Logo, todos os cães têm um coração.

INDUTIVO:

Todos os cães que foram observados tinham um coração.

Logo, todos os cães têm um coração.

Segundo Salmon (1978, p. 30-31), as duas características básicas que distinguem os argumentos dedutivos dos indutivos são:

DEDUTIVOS: 1.Se todas as premissas são verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira. 2. Toda informação ou conteúdo factual da conclusão já estava,pelo menos implicitamente, nas premissas.

INDUTIVOS: 1.Se todas as premissas são verdadeiras,a conclusão é provavelmente verdadeira, mas não necessariamente verdadeira. 2. A conclusão encerra informação que não estava, sequer implicitamente, nas premissas.

No argumento dedutivo, para que a conclusão "todos os cães têm um coração" fosse falsa, uma das ou as duas premissas teriam de ser falsas: ou nem todos os cães são mamíferos, ou nem todos os mamíferos têm um coração. Já no argumento indutivo, é possível que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa: o fato de não se ter, até o presente, encontrado um cão sem coração não é garantia de que todos os cães têm um coração.

(...) Os dois tipos de argumentos têm finalidades diversas: o dedutivo tem o propósito de explicar o conteúdo das premissas; o indutivo tem o desígnio de ampliar o alcance dos conhecimentos. "(Fundamentos de metodologia científica. Cap. 4. Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos. 2017)

O Codificador da Doutrina Espírita, que usa o pseudônimo de Allan Kardec,  utilizou-se principalmente da metodologia científica indutiva para verificar se as revelações dos Espíritos Superiores eram verdadeiras. Entretanto, utilizou-se também do método dedutivo para explicar o conteúdo das premissas.

De acordo com o Codificador, toda teoria revelada pelos Espíritos deve ser passada pela prova do "Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos" (CUEE).

Existem três regras principais para este Controle Universal, que estão descritas na obra "O Evangelho Segundo o Espiritismo" de Allan Kardec, na parte da introdução, sob o título de "Autoridade da Doutrina Espírita". Resumidamente, as três regras são:

- 1. Toda teoria em manifesta contradição com o bom-senso, com uma lógica rigorosa e com os dados positivos que se possui, por mais respeitável que seja a sua assinatura, deve ser rejeitada.
- 2. As revelações espontâneas devem ser realizadas por um grande número de médiuns estranhos uns aos outros, de diversos lugares do mundo.
- 3. Deve haver uma concordância universal entre as revelações dos Espíritos que eles façam espontaneamente, ou seja, é necessário comparar as suas respostas e verificar se existe uma unanimidade da voz dos Espíritos.

Segundo o biógrafo Henri Sauss, Allan Kardec disse: " mais de dez médiuns prestaram seu concurso a esse trabalho.  E foi da comparação e da fusão de todas essas respostas, coordenadas, classificadas e muitas vezes refeitas no silêncio da meditação, que formei a primeira edição de  O Livro dos Espíritos , a qual apareceu em 18 de abril de 1857." (O que é o Espiritismo. Biografia de Allan Kardec. Henri Sausse) 

O Espírito Pierre Le Flamand [Pedro, o Flamengo], certa vez relatou que quando viu Allan Kardec,  escrevendo em seu gabinete, trabalhando numa nova obra em preparo, " não havia ninguém com ele; mas havia ao seu redor uma vintena de Espíritos que murmuravam acima de sua cabeça." (Revista Espírita. Maio de 1859. Cenas da vida privada espírita. Allan Kardec) Portanto, conclui-se que Allan Kardec também era médium de inspiração, sem saber.

Em 14 de setembro de 1863, em Paris, uma mensagem é dirigida a Kardec, no qual faz esta confirmação: 

"Quero falar-te de Paris, embora isso não me pareça de manifesta utilidade, uma vez que as minhas vozes íntimas se fazem ouvir em torno de ti e que teu cérebro percebe as nossas inspirações, com uma facilidade de que nem tu mesmo suspeitasNossa ação, principalmente a do Espírito de Verdade, é constante ao teu derredor e tal que não a podes negar." (Obras Póstumas. Imitação do Evangelho. Médium: Sr. d'A.../ Allan Kardec)

Os adversários do Espiritismo criticam a quantidade de médiuns que foram utilizados para as pesquisas e a falta de informação sobre eles, consideram as informações insuficientes para se obter confiança na pesquisa científica, mas Allan Kardec, nunca escondeu que, as duas irmãs Baudin, Célina Japhet e Ermance Dufaux, foram suas médiuns principais (Vide: Obras Póstumas). O codificador priorizou a qualidade da amostragem, visto que, " os  bons  médiuns , na verdadeira acepção da palavra,  são raros." (Revista Espírita. Fevereiro de 1861. Escassez de médiuns. Allan Kardec)

"As instruções dadas pelos Espíritos de ordem elevada sobre todos os assuntos que interessam à Humanidade, as respostas que deram às questões que lhes foram propostas, recolhidas e coordenadas cuidadosamente, constituem toda uma ciência, toda uma doutrina moral e filosófica, sob o nome de  Espiritismo. O Espiritismo é, pois, a doutrina fundada na existência, nas manifestações e nos ensinos dos Espíritos . Essa doutrina se acha exposta de modo completo em   O Livro dos Espíritos , quanto à parte filosófica, e em   O Livro dos Médiuns , quanto à parte prática e experimental." (O Espiritismo na sua expressão mais simples. Sumário. Allan Kardec)

Em "O Livro dos Médiuns" Allan Kardec dá um exemplo da metodologia empregada:

Seja qual for a ideia que dos Espíritos se faça, a crença neles necessariamente se funda na existência de um princípio inteligente fora da matéria. Essa crença é incompatível com a negação absoluta deste princípio. Tomamos, conseguintemente, por ponto de partida, a existência, a sobrevivência e a individualidade da alma, existência, sobrevivência e individualidade que têm no Espiritualismo a sua demonstração teórica e dogmática e, no Espiritismo, a demonstração positiva. Abstraiamos, por um momento, das manifestações propriamente ditas e, raciocinando por  indução , vejamos a que consequências chegaremos.
Desde que se admite a existência da alma e sua individualidade após a morte, forçoso é também se admita: 1.º, que a sua natureza difere da do corpo, visto que, separada deste, deixa de ter as propriedades peculiares ao corpo; 2º, que goza da consciência de si mesma, pois que é passível de alegria, ou de sofrimento, sem o que seria um ser inerte, caso em que possuí-la de nada nos valeria. Admitido isso, tem-se que admitir que essa alma vai para alguma parte. Que vem a ser feito dela e para onde vai?

Segundo a crença vulgar, vai para o céu, ou para o inferno. Mas, onde ficam o céu e o inferno? Dizia-se outrora que o céu era em cima e o inferno embaixo. Porém, o que são o alto e o baixo no universo, uma vez que se conhecem a esfericidade da Terra, o movimento dos astros, movimento que faz com que o que em dado instante está no alto esteja, doze horas depois, embaixo, e o infinito do espaço, através do qual o olhar penetra, indo a distâncias consideráveis? Verdade é que por lugares inferiores também se designam as profundezas da Terra. Mas, que vêm a ser essas profundezas, desde que a geologia as esquadrinhou? Que ficaram sendo, igualmente, as esferas concêntricas chamadas céu de fogo, céu das estrelas, desde que se verificou que a Terra não é o centro dos mundos, que mesmo o nosso Sol não é único, que milhões de sóis brilham no espaço, constituindo cada um o centro de um turbilhão planetário? A que ficou reduzida a importância da Terra, mergulhada nessa imensidade? Por que injustificável privilégio este quase imperceptível grão de areia, que não avulta pelo seu volume, nem pela sua posição, nem pelo papel que lhe cabe desempenhar, seria o único planeta povoado de seres racionais? A razão se recusa a admitir semelhante nulidade do infinito e tudo nos diz que os diferentes mundos são habitados. Ora, se são povoados, também fornecem seus contingentes para o mundo das almas. 

(...)Não podendo a doutrina da localização das almas harmonizar-se com os dados da ciência, outra doutrina mais lógica lhes assina por domínio, não um lugar determinado e circunscrito, mas o espaço universal: formam elas um mundo invisível, em o qual vivemos imersos, que nos cerca e acotovela incessantemente. Haverá nisso alguma impossibilidade, alguma coisa que repugne à razão? De modo nenhum; tudo, ao contrário, nos afirma que não pode ser de outra maneira.

(...)Ora, essas almas que povoam o Espaço são precisamente o a que se chama Espíritos. Assim, pois, os Espíritos não são senão as almas dos homens, despojadas do invólucro corpóreo. Mais hipotética lhes seria a existência, se fossem seres à parte. Se, porém, se admitir que há almas, necessário também será se admita que os Espíritos são simplesmente as almas e nada mais. Se se admite que as almas estão por toda parte, ter-se-á que admitir, do mesmo modo, que os Espíritos estão por toda parte. Possível, portanto, não fora negar a existência dos Espíritos, sem negar a das almas.

Isto não passa, é certo, de uma teoria mais racional do que a outra. Porém, já é muito que seja uma teoria que nem a razão, nem a ciência repelem. Acresce que, se os fatos a corroboram, tem ela por si a sanção do raciocínio e da experiência. Esses fatos se nos deparam no fenômeno das manifestações espíritas, que, assim, constituem a prova patente da existência e da sobrevivência da alma. Muitas pessoas há, entretanto, cuja crença não vai além desse ponto; que admitem a existência das almas e, conseguintemente, a dos Espíritos, mas que negam a possibilidade de nos comunicarmos com eles, pela razão, dizem, de que seres imateriais não podem atuar sobre a matéria. Esta dúvida assenta na ignorância da verdadeira natureza dos Espíritos, dos quais em geral fazem ideia muito falsa, supondo-os erradamente seres abstratos, vagos e indefinidos, o que não é real.

Figuremos, primeiramente, o Espírito em união com o corpo. Ele é o ser principal, pois que é o ser que pensa e sobrevive. O corpo não passa de um acessório seu, de um invólucro, uma veste, que ele deixa, quando usada. Além desse invólucro material, tem o Espírito um segundo, semimaterial, que o liga ao primeiro. Por ocasião da morte, despoja-se deste, porém não do outro, a que damos o nome de perispírito. Esse invólucro semimaterial, que tem a forma humana, constitui para o Espírito um corpo fluídico, vaporoso, mas que, pelo fato de nos ser invisível no seu estado normal, não deixa de ter algumas das propriedades da matéria. O Espírito não é, pois, um ponto, uma abstração; é um ser limitado e circunscrito, ao qual só falta ser visível e palpável, para se assemelhar aos seres humanos. Por que, então, não haveria de atuar sobre a matéria? Por ser fluídico o seu corpo? Mas, onde encontra o homem os seus mais possantes motores, senão entre os mais rarificados fluidos, mesmo entre os que se consideram imponderáveis, como, por exemplo, a eletricidade? Não é exato que a luz, imponderável, exerce ação química sobre a matéria ponderável? Não conhecemos a natureza íntima do perispírito. Suponhamo-lo, todavia, formado de matéria elétrica, ou de outra tão sutil quanto esta: por que, quando dirigido por uma vontade, não teria propriedade idêntica à daquela matéria?

Resta agora a questão de saber se o Espírito pode comunicar-se com o homem, isto é, se pode com este trocar ideias. Por que não? Que é o homem, senão um Espírito aprisionado num corpo? Por que não há de o Espírito livre se comunicar com o Espírito cativo, como o homem livre com o encarcerado?
Desde que admitis a sobrevivência da alma, será racional que não admitais a sobrevivência dos afetos? Pois que as almas estão por toda parte, não será natural acreditarmos que a de um ente que nos amou durante a vida se acerque de nós, deseje comunicar-se conosco e se sirva para isso dos meios de que disponha? Enquanto vivo, não atuava ele sobre a matéria de seu corpo? Não era quem lhe dirigia os movimentos? Por que razão, depois de morto, entrando em acordo com outro Espírito ligado a um corpo, estaria impedido de se utilizar deste corpo vivo, para exprimir o seu pensamento, do mesmo modo que um mudo pode servir-se de uma pessoa que fale, para se fazer compreendido?
Abstraiamos, por instante, dos fatos que, ao nosso ver, tornam incontestável a realidade dessa comunicação; admitamo-la apenas como hipótese. Pedimos aos incrédulos que nos provem, não por simples negativas, visto que suas opiniões pessoais não podem constituir lei, mas expendendo razões peremptórias, que tal coisa não pode dar-se. Colocando-nos no terreno em que eles se colocam, uma vez que entendem de apreciar os fatos espíritas com o auxílio das leis da matéria, que tirem desse arsenal qualquer demonstração matemática, física, química, mecânica, fisiológica e provem por a mais b, partindo sempre do princípio da existência e da sobrevivência da alma:
1.º que o ser pensante, que existe em nós durante a vida, não mais pensa depois da morte;
2.º que, se continua a pensar, está inibido de pensar naqueles a quem amou;
3.º que, se pensa nestes, não cogita de se comunicar com eles;
4.º que, podendo estar em toda parte, não pode estar ao nosso lado;
5.º que, podendo estar ao nosso lado, não pode comunicar-se conosco;
6.º que não pode, por meio do seu envoltório fluídico, atuar sobre a matéria inerte;
7.º que, sendo-lhe possível atuar sobre a matéria inerte, não pode atuar sobre um ser animado;
8.º que, tendo a possibilidade de atuar sobre um ser animado, não lhe pode dirigir a mão para fazê-lo escrever;
9.º que, podendo fazê-lo escrever, não lhe pode responder às perguntas, nem lhe transmitir seus pensamentos.
Quando os adversários do Espiritismo nos provarem que isto é impossível, aduzindo razões tão patentes quais as com que Galileu demonstrou que o Sol não é que gira em torno da Terra, então poderemos considerar-lhes fundadas as dúvidas. Infelizmente, até hoje, toda a argumentação a que recorrem se resume nestas palavras: Não creio, logo isto é impossível. Dir-nos-ão, com certeza, que nos cabe a nós provar a realidade das manifestações. Ora, nós lhes damos, pelos fatos e pelo raciocínio, a prova de que elas são reais. Mas, se não admitem nem uma, nem outra coisa, se chegam mesmo a negar o que veem, toca-lhes a eles provar que o nosso raciocínio é falso e que os fatos são impossíveis." (O Livro dos Médiuns. Cap. 1. Allan Kardec)

Segundo esta metodologia científica utilizada pelo Codificador,  "Três elementos são fundamentais para toda indução, isto é, a indução realiza-se em três etapas (fases):

a) Observação dos fenômenos. Nessa etapa, observamos os fatos ou fenômenos e o analisamos com a finalidade de descobrir as causas de sua manifestação.

b) Descoberta da relação entre eles. Na segunda etapa, procuramos, por intermédio de comparação, aproximar os fatos ou fenômenos, com a finalidade de descobrir a relação constante existente entre eles.

c) Generalização da relação. Nesta última etapa, generalizamos a relação encontrada na precedente, entre fenômenos e fatos semelhantes, muitos dos quais ainda não observam (e muitos inclusive inobserváveis).

Portanto, como primeiro passo, observamos atentamente certos fatos ou fenômenos. Passamos, a seguir, à classificação, isto é, agrupamento dos fatos ou fenômenos da mesma espécie, segundo a relação constante que se nota entre eles. Finalmente, chegamos a uma classificação, fruto da generalização da relação observada." (Fundamentos de metodologia científica. Cap. 4. Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos. 2017)

Os argumentos matemática e de filosofia, por sua vez, são dedutivos.

"O método por excelência da ciência é o experimental: ela caminha apoiada nos fatos reais e concretos, afirmando somente aquilo que é autorizado pela experimentação. " (Fundamentos de metodologia científica. Cap. 4. Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos. 2017)

Ao contrário, a filosofia emprega "o método racional, no qual prevalece o processo dedutivo, que antecede a experiência, e não exige confirmação experimental, mas somente coerência lógica." (Metodologia científica: guia para eficiência nos estudos. João Álvaro Ruiz. 1979)

Sendo assim, observamos que Allan Kardec também utilizou-se do método dedutivo em suas conclusões, pois também o Espiritismo é uma doutrina filosófica.

Segundo Allan Kardec,  "O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma  ciência  de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais decorrentes dessas relações." (Revista Espírita.  Abril de 1864. Resumo da lei dos fenômenos Espíritas. Allan Kardec)

"Com efeito, a lógica é o grande critério de toda comunicação espírita, como o é de todos os trabalhos humanos. (...) Quando uma lógica é rigorosa como dois e dois são quatro, e as consequências são deduzidas de axiomas evidentes, o bom-senso geral, mais cedo ou mais tarde, faz justiça a todos esses sofismas. Cremos que as proposições seguintes têm esse caráter:
1. ─ Os bons Espíritos não podem ensinar e inspirar senão o bem; assim, tudo o que não é rigorosamente bem não pode vir de um bom Espírito;
2. ─ Os Espíritos esclarecidos e verdadeiramente superiores não podem ensinar coisas absurdas; assim, toda   comunicação manchada  de erros manifestos ou contrários aos   dados mais vulgares  da ciência e da observação, só por isso atesta a inferioridade de sua origem;
3. ─ A superioridade de um escrito qualquer está na justeza e na profundidade  das ideias e não nos enfeites e na redundância do estilo; assim, toda comunicação espírita em que há mais palavras e frases brilhantes do que pensamentos sólidos, não pode vir de um Espírito realmente superior;
4. ─ A ignorância não pode contrafazer o verdadeiro saber, nem o mal contrafazer o bem de maneira absoluta; assim, todo Espírito que, sob um nome venerado, diz coisas incompatíveis com o título que se dá, é responsável por fraude;
5. ─ É  da essência de um Espírito elevado ligar-se mais ao pensamento do que à forma e à matéria, de onde se segue que a elevação do Espírito está na razão da elevação  das ideias; assim, todo Espírito meticuloso nos detalhes  da forma, que prescreve puerilidades, numa palavra, que liga importância aos sinais e às coisas materiais, acusa, por isso mesmo, uma pequenez de ideias, e não pode ser verdadeiramente superior;
6. ─ Um Espírito realmente superior não pode contradizer-se; assim, se duas comunicações contraditórias forem dadas sob um mesmo nome respeitável, uma delas necessariamente é apócrifa, e se uma for verdadeira, só pode ser aquela que em nada   desmente a superioridade do Espírito cujo nome a encima.
A consequência a tirar destes princípios é que fora das questões morais só se deve acolher com reservas o que vem dos Espíritos, e que, em todo caso, jamais deve ser aceito sem exame. Daí decorre a necessidade de se ter a maior circunspecção na publicação dos escritos emanados dessa fonte, sobretudo quando, pela estranheza  das doutrinas que contêm, ou pela incoerência das ideias, podem prestar-se ao ridículo. É preciso desconfiar da inclinação de certos Espíritos pelas ideias sistemáticas e do amor-próprio com que buscam espalhá-las. Assim, é sobretudo nas teorias científicas que precisa haver extrema prudência e guardar-se de  dar precipitadamente como verdades alguns sistemas por vezes mais sedutores do que reais e que, mais cedo ou mais tarde, podem receber um desmentido oficial. Que sejam apresentados como probabilidades, se forem lógicos, e como podendo servir de base a observações ulteriores, vá; mas seria imprudência tomá-los prematuramente como artigos de fé. Diz um provérbio: "Nada mais perigoso que um amigo imprudente." Ora, é o caso dos que, no Espiritismo, se deixam levar por um zelo mais ardente que refletido." (Revista Espírita. Julho de 1860. Exame crítico - Das dissertações de Charlet sobre animais. Allan Kardec)

"Talvez nos contestem a qualificação de ciência, que damos ao Espiritismo. Certamente não teria ele, em nenhum caso, as características de uma ciência exata, e é precisamente aí que reside o erro dos que o pretendem julgar e experimentar como uma análise química ou um problema matemático; já é bastante que seja uma ciência filosófica. Toda ciência deve basear-se em fatos, mas os fatos, por si sós, não constituem a ciência; ela nasce da coordenação e da dedução lógica dos fatos: é o conjunto de leis que os regem. Chegou o Espiritismo ao estado de ciência? Se por isto se entende uma ciência acabada, seria sem dúvida prematuro responder afirmativamente; entretanto, as observações já são hoje bastante numerosas para nos permitirem deduzir, pelo menos, os princípios gerais, onde começa a ciência." (Revista Espírita. Janeiro de 1858. Introdução. Allan Kardec)

Alguns adversários dizem que as teorias de Allan Kardec estão ultrapassadas, para desacreditar suas pesquisas, porém o Codificador combate estas acusações e diz: "Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará. "(A Gênese. Cap. 1. Allan Kardec)   

"Assim, a ciência pode ser caracterizada como uma forma de conhecimento objetivo, racional, sistemático, geral, verificável e falível. "(Métodos e técnicas de pesquisa social. Antonio Carlos Gil)

Passatempo Espírita © 2013 - 2024. Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por Webnode